Bernardo, entre o ódio e a indiferença

O ódio tenta sufocar com travesseiro, a indiferença não leva a sério.

O ódio impede que se dê a chave da casa, a indiferença entende os motivos.

O ódio ataca o corpo, a indiferença desvitaliza a mente

O ódio amesquinha-se na forma de uniformes rotos e ausência de roupas adequadas, enquanto a indiferença simplesmente prodigaliza-se.

O ódio tenta destruir o presente, a indiferença transforma o potencial futuro em um aprisionamento ao passado.

O ódio é o combustível para o assassinato. A indiferença é o anestésico para percepção da gestação do crime.

O ódio mata o enteado, a indiferença transforma o filho no menino que mora conosco.

O ódio desaparece com o corpo, a indiferença vai à festa.

Frente a denúncia de maus tratos, o ódio gesta a solução final, a indiferença compromete-se.

O ódio tenta esconder vestígios da morte, a indiferença não procura sinais de vida.

O ódio executa o crime, a indiferença terceiriza o cuidado.

Em momentos de raiva ou quando ódio está mais intenso do que o amor, não é infrequente pais baterem nos filhos, ou verbalizarem coisas do tipo: eu te arrebento; que ódio; se eu te pegar vou te quebrar; saí daqui, se não quiser apanhar. Claro que nem todos os pais têm esta conduta com os filhos, mas, sim, pais e mães, em alguns momentos, vivem estes sentimentos em relação aos filhos.
Mas na clínica, com exceção dos filhos de pais violentos e espancadores sistemáticos, não encontra-se queixas dos filhos em relação a este tipo de comportamento. Alguns filhos até reconhecem quem eram provocativos, que sabiam como tirar os pais do sério.

São muito mais frequente as queixas em relação à indiferença, à omissão, ao abandono, ao não sentir-se enxergado (…). É muito mais marcante ser esquecido no colégio, do que o tapa recebido impulsivamente por uma resposta desaforada, ou por ter comido a sobremesa antes almoço.
Amor e ódio fazem parte da relação entre pais e filhos. Contudo, em regra, isso não leva a assassinatos. No caso Bernardo é evidente o predomínio do ódio da madrasta, que somada a uma mente doentia/perversa levou ao assassinato. Sobre isso escrevi no post “Quem ela Matou?”. Não sabe-se sobre a participação do pai no assassinato, mas o que se sabe até agora é suficiente para que a inferência de que ele era indiferente ao filho não seja espúria.

Provavelmente, na sequência do processo investigatório, veremos a madrasta sofrer com a indiferença do marido, que antes era um cúmplice silencioso e agora a sua natureza o levará a exercer a sua indiferença para a mulher assassina, mãe de sua filha. Já ele terá que lidar com o ódio vingativo da sua esposa. Bernardo não gerou o ódio e a indiferença da madrasta e do pai, ele era só o objeto da vez.

Sobre Hemerson Ari Mendes

Psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Pelotas – Febrapsi - IPA), médico psiquiatra (UFPel), mestre em saúde e comportamento (UCPel). É diretor da Clínica Ser e durante 18 anos foi professor de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina UCPel, atualmente, licenciado. Sim, também, disgráfico.

Publicado em 27/04/2014, em civilização, Cultura, Educação, Educação dos filhos, matenidade, paternidade, Psicanálise, Psicanálise e psiquiatria, Psiquiatria, Relacionamentos e marcado como , , , , , , . Adicione o link aos favoritos. 2 Comentários.

  1. Isso aí Hemerson!
    Bravo!!!!

  2. Ótima leitura!

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