Arquivo mensal: junho 2021

Negação, mecanismo INCONSCIENTE

Os mecanismos de defesa do ego, dos quais a negação é um deles, são todos inconscientes. Não se deve confundir com a mentira consciente do marido que nega a origem do batom na cueca. Por mais que, às vezes, o mecanismo possa parecer tão caricato e pobre como uma mentira infantil da criança toda lambuzada de chocolate que nega ter atacado o bolo antes do tempo.

Os mecanismos de defesa do ego visam a sobrevivência emocional frente as ameaças do mundo interno e externo. Defendem o ego quando este se sente ameaçado pelo sofrimento insuportável, o desamparo, a fragilidade, a ignorância (…).

Em algumas situações, o uso momentâneo, não sistemático, associado a outros mecanismos permite que o ego tenha condições de elaborar perdas, melhor lidar com sofrimento/dores, como no caso das ameaças por doenças físicas e demais perdas.

Entretanto, obviamente, o uso maciço e sistemático traz graves prejuízos; paradoxalmente, levando o indivíduo ao desfecho que tanto teme. O homem que sente uma dor anginosa, e racionaliza que é uma dor muscular, e a mulher que frente ao pânico de ter um câncer de mama, nega o risco e não faz as revisões protocolares, passam a ter muito mais riscos de apresentar os problemas que tanto temem.

Frequentemente, tenta-se combater o negacionismo com informações técnicas, lógica, racionalizações (…) é gasolina no fogo. A pobreza dos recursos emocionais de quem usa o mecanismo faz com que ele dobre a aposta, referendando o famoso aforismo de Mark Twain: “para aqueles que só têm um martelo como ferramenta, todo problema parece prego”.

A indigência intelectual, a arrogância, fragilidade moral (…) podem se associar ao mecanismo de negação em algumas situações ou pessoas. Mas, não são condições sine qua non. Quando a negação é utilizada por grande número de pessoas, temos uma multiplicidade/variedade de personalidades, condições intelectuais e de estruturações éticas/morais.

O fato de ser um mecanismo inconsciente não tira a responsabilidade, tampouco, diminui as consequências das atitudes geradas pelo mecanismo. Na verdade, isso torna o problema mais difícil e trágico.

O prognóstico é pior!

Mocotó: a generosidade da culinária da pobreza

Definitivamente, não degustarás um prato de mocotó pela nobreza dos seus ingredientes (bucho, calabresa, bacon, feijão branco …); tampouco, pela apresentação; muito menos se te preocupares com a quantidade de calorias ou com a sofisticação dos ambientes nos quais ele costuma ser servido. Estas questões são relevantes para outro tipo de culinária. Aqui estamos falando da culinária da pobreza, aquela que salvou vidas em épocas de penúrias, de escravidões e demais abusos. Assim foi com o bouillabaisse francês, o goulash húngaro e a feijoada brasileira, para citar alguns.

O mocotó é o equivalente à feijoada; provavelmente, nasceu com as sobras das charqueadas. Imagino a “Preta Velha”, considerada “imprestável” para as lides mais pesadas, que passa a ocupar-se dos filhos dos escravos que trabalhavam no inverno pelotense às margens do Arroio Pelotas; frente a fome, ela procura as sobras que originam o mocotó, servido como iguaria para alimentar e aquecer os netos que um dia poderiam ser livres.

Mocotó tem este tempero! Para comê-lo precisa encarar e reverenciar quem escreveu e enfrentou a história. É uma decisão solitária, pelo menos comigo assim o é. No passado, de tempos em tempos, nos almoços de sábado, comia no português Cruz de Malta, sempre no balcão, uma porção serve três pratos. É tudo ou nada. hoje, no inverno, de quando em quando, no germânico Alles Blau! Ambos honestíssimos!

Cozinhar é um ato de amor! A criação de pratos na pobreza é um ato de sobrevivência.

Longe ou perto, somos todos filhos de quem sobreviveu à fome.

Saúde: negações pré-pandemia

Todos conhecem pessoas próximas – quando não, as próprias – que apresentam algum(uns) dos seguintes comportamentos:

– Não fazem exames ginecológicos regulares.

– Negam-se a realizar toques prostáticos e colonoscopias preventivas.

– Nódulos mamários são ignorados até supurarem.

– Hipertensos que interrompem o tratamento quando a pressão se normaliza e seguem abusando do sal.

– Diabéticos que se negam a fazer reeducação alimentar e/ou usar medicações hipoglicemiantes.

– Tabagismo, alcoolismo e demais abusos de substâncias.

– Não usam cinto de segurança, capacete e … camisinha.

– Negam-se a fazer e/ou, posteriormente, abandonam os tratamentos psiquiátricos (depressão e ansiedade, principalmente).

– Não realizam pré-natal, não vacinam os filhos, inclusive as meninas contra HPV.

– Exposição ao sol sem proteção de maneira excessiva.

– Não consultam regularmente conforme indicação dos protocolos.

(…)

Em relação à COVID, a negação dos riscos, a falta de cuidados preventivos, o desprezo pelas vacinas (…) não surpreendem; eles são um pouco mais do mesmo que os profissionais da saúde se deparam no dia a dia.

Entretanto, existe uma diferença fundamental entre as questões enumeradas acima e os indivíduos com comportamentos negacionistas em relação ao coronavírus. Nas primeiras, infelizmente, o sujeito sofre com as consequências; já, na pandemia, desgraçadamente, o comportamento de um indivíduo pode atingir a muitos, inclusive, seus amores.