Arquivo mensal: dezembro 2015

Sandra Maritza Becher Oliveira

Reza a lenda familiar, que na véspera do meu aniversário de um ano, de maneira indireta, soube-se que ela chegaria. Nasceu entre mim e a Leontina, minha irmã do meio. Prima-irmã, crescemos juntos.

Nossa proximidade refletia a relação das mães irmãs.  Mas foi o trágico acidente que matou nossos pais, que nos transformou em irmãos-primos, éramos cinco, entre dez e cinco anos, nós os mais velhos.

Apesar de até hoje ser lembrado, que em um período de revolta infantil, no qual meu ódio tinha ela como alvo, eu falava que queria matá-la, era eu o racional e ela a passional.

Era uma dura adversária nos concursos bíblicos, eu ganhava; em compensação, todo o investimento das duas irmãs em aulas de música para os filhos, só nela vingou.

Nossa convivência foi intensa até eu migrar para o sul, seguiu sendo uma irmã das minhas irmãs. Passamos a nos encontrar esporadicamente.

Depois de décadas, em uma de minhas idas ao Paraná, ela buscou-me no aeroporto, levou-me a Ponta Grossa e trouxe-me. Pudemos conversar sobre o que não tínhamos mente para fazer antes: a experiência “disturbing” da precoce perda dos pais; o encaminhamento que demos a religiosidade materna; os amores e ódios na fraterna relação; nossas relações familiares; a vida profissional; apresentou-me sua filha e eu falei dos meus.

Mas o que nunca esqueci foi o singelo e-mail que recebi quando cheguei em casa, agradeceu-me pelo simples fato de nomear a relação dela com sua companheira.

Apresentou-me de forma afetiva a solidão emocional – em meio à multidão – que acompanha pessoas que precisam bancar uma orientação sexual contra as expectativas do entorno. Lamento, não ter falado para ela o quando este e-mail me ajudou a compreender melhor muitos dos meus pacientes.

 A morte que só tinha se apresentado uma vez, há mais de 50 anos, em um recém-nascido, na geração de primos, sorteou a janela dela para arrombar. Lembrou-nos da nossa vulnerabilidade.

Sou tomado por um choro sem forma e um sentimento sem nome, como não tem nome a mais trágica das condições, a da minha tia-mãe que perde sua filha. Narcisicamente, choro por mim, por sua companheira, por sua filha, pelos meus primos, pelas minhas irmãs, pela minha mãe, pelas tias, enfim, pelos que ficam…

Ela foi com a dignidade com que enfrentou a vida, equilibrou-se entre o sonho da artista e o pragmatismo de quem tinha consciência de ser arrimo.

O escritor e cientista Oliver Sacks, que há pouco morreu, tendo consciência que o câncer – tal qual a Sandra – iria derrotá-lo, escreveu uma carta de despedida, entre outras coisas, escreve que ele teve um “intercurso com a vida”, creio que, igualmente, a expressão cabe a ela. Ela pintou a vida com as cores que escolheu, amou e foi amada, cuidou, criou, trabalhou, entregou-se a tudo que fez e teve a consciência de sua finitude. Soube agora que escolheu onde gostaria de ser sepultada. Enfim, como desejava Winnicott, a morte encontrou-a viva.  

A intolerante bondade dos apóstolos

Não são só os religiosos, temos os políticos, os médicos, os psicólogos/psicanalistas, os economistas (…). A lista tende ao infinito. Todos são portadores de verdades salvadoras; alguns assumem a sua grandiosidade, outros dissimulam, com uma de mão de humildade; mas, bastam 3 frases para transparecer que as profecias lhes foram outorgadas por serem pessoas especiais; sim, você também ganhará o céu caso venha acompanhá-los.

As orientações aos apóstolos originais ditam o funcionamento dos demais genéricos, os pressupostos estão todos lá, vejamos:

“Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16:15-16).

“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho ordenado” (Mateus 28:18-20a).

Eles recebem um mandato divino, seja lá quem for seu “deus” – Cristo, Alá, Freud, Marx, Adam Smith, (…); misturam sua ignorância – ninguém sem um quantum de ignorância aceita verdades absolutas – com o evangelho de seu deus e está pronta a mensagem; oferecem a bondade da salvação, mas se o vivente resistir, não crer, será condenado, ou seja, se não queres o céu, terás o inferno. Para o trabalho deles ganhar uma estrelinha a mais, as novas ovelhas do rebanho deverão ser batizadas – uma espécie de circuncisão mental, só será retirado o prepúcio da individual subjetividade, será como uma marca para saberes a qual lei, deus, deves seguir.

Ao encontrar um, não tem saída, ganharás ou serás condenado:  ao céu ou ao inferno; à saúde ou à morte; à riqueza ou à miséria; à luz ou à escuridão. Receberás bênçãos ou maldições, medalhas pelo lustro intelectual ou lamentos pela obtusidade.

Todos temos nossas crenças, com maior ou menor grau de obscurantismo; porém, nem todos tornam-se apóstolos. Para ser um deles precisa acreditar que a humanidade deverá ser evangelizada/salva pela sua verdade. É aí que começam os problemas. Como uma espécie de 007 intelectual/espiritual/ideológico, eles ganham a autorização que justifica o seu arrogante direito de pregar para quem não solicitou/autorizou/concordou.

As resistências ao processo de evangelização só os estimula, interpretam como uma provação, nunca percebem o quanto são invasivos com os demais, afinal, quem é que em sã consciência, após compreender a profundidade de suas mensagens, abriria mão de tamanha benesse?

Existem apóstolos em todas as culturas, de todas as cores e em os todos os níveis sociais.

Exemplificarei com o original religioso, sem perder de vistas os demais subtipos. Há poucas semanas, estava em um galpão que chamam de Viracopos, havia perdido uma conexão, cansado, comendo um sanduíche horroroso, no único lugar que pareceu adequado, ou seja, meu humor não era dos melhores; foi quando comecei a acompanhar o movimento de uma mulher, estava com um menino entre quatro e cinco anos; aproximavam-se das mesas, ela dirigia-se ao menino, entregava-lhe o folder religioso e repetia: oferece para tio(a) e diz que Jesus lhe ama! O menino, no piloto automático, executava o rito.

Na medida que os observo, percebo a utilização da criança indefesa, a abordagem indireta e covarde – o menino funciona como escudo -, o aspecto invasivo e a imposição de um constructo pessoal – sem ao menos considerar que possa ser desrespeitoso com outras crenças/constructos, juntamente com a incerteza se eu chegaria a terra prometida que era a cama da minha casa – foram os fermentos para o crescimento da minha irritação.

A minha mesa estava na saída da lanchonete; pelo menino, ou por mim, torci para que não chegassem até a ela; logicamente, chegaram. Aceito o folder, sorri, ele saiu a galope, como se estivesse liberto de sua missão. Ele afastou-se, mas ela manteve-se na minha alça de mira, como um antimessias, atiro:

– A senhora não pode fazer isso!

Ela, rapidamente, utilizando o poder de condenar os descrentes, sem ao menos perguntar o porquê, também, dispara:

– Se o senhor não quiser, podes me devolver o folder.

Como quem está no inferno, abraça o diabo; avancei na batalha perdida:

– Não é isso! A senhora não pode utilizar o menino para me constranger, por exemplo, eu jamais poderia não aceitar a entrega do menino. Isso é uma violência comigo e com ele. Independente, do que possa estar sendo oferecido.

Como todo verdadeiro apóstolo, ela afasta-se sem entender o que lhe falei.

O pior de tudo, como tende a acontecer nessas situações, eu me senti com um ridículo discurso apostólico.

Todos têm direito a sua fé, inclusive de comunica-la aos demais, bem como, educar seus filhos segundo seus preceitos. Mas, para o apóstolo isso não é o suficiente, ele precisa – e sente-se no direito e autorizado – converter aos demais.

É difícil conversar com mentes apostólicas sem ser contaminado pelo vírus da sua forma de pensar. O respeitoso silencio e, consequentemente, o afastamento, seja no aeroporto, na universidade, na campanha eleitoral, no bar da esquina ou no facebook tende a ser o melhor caminho.

Em muitas situações, podemos e devemos nos posicionar, mas não discutir. Apóstolos não estão abertos a escutar, eles já têm sua terra prometida, sua fé, e esta, por definição, prescinde de lógica para se acreditar. Mesmo sem a devida reciprocidade, devemos respeitá-los, mas não tenha a pretensão de converte-los sem tornar-se um deles.

Natal: a presença da ausência

Sim, o Natal é uma data de encontros, justamente por isso, lembramos e sentimos as ausências. Não só de quem não pode vir, mas, talvez, principalmente, dos que se foram.

Nos tornamos humanos com a consciência da finitude, algo que coincide com o início cerimonial dos  sepultamentos. Ao enterramos nossos mortos, nos responsabilizamos pelas suas memórias. São elas que nos visitam nessas datas, nos encontramos com as ausências.

Qual teria sido o meu Natal mais marcante? Poderia ser o que ganhei a primeira bola de capotão, do Artagão, durante um ano, ia ao açougue pedir gordura para passar nas costuras.

 Mas foi o tabuleiro com as peças do xadrez o último presente de Natal que ganhei do meu pai, na chácara dos Schinemann, em Guarapuava. Seria este o mais marcante? Sim, e não, pois ele só ganhou significado no ano seguinte, o da ausência.

Mas, também, poderia ser todos os anteriores, até o que passei sozinho estudando para o vestibular, foi quando a ausência da minha mãe e das minhas irmãs – Leontina e Karime – ganharam presença.

E o primeiro como pai?  Ou os demais: muitos em Punta, onde eu criava o mar; ou do avião, viajando para a Disney; no Paraná, reencontrando às autênticas araucárias (…). Todos, igualmente, ressignificados pelas primeiras dispersões; a tristeza da ausência mistura-se com o orgulho pelo crescimento e autonomia da Marina, do Matheus e do Raphael.

Teve o mais tranquilo de todos, de plantão, acompanhado e sendo cuidado por duzentos pacientes em um hospital psiquiátrico, sim, os pacientes também nos cuidam.  

Teve o da despedida do Giovani, que sabíamos que iria. A ausência futura entristecia a gentileza presente.

Os de Paris com Carin, mas é no Uruguai que ela me cria o céu.

Hoje, em Punta del Diablo, olho Helena, sim, não teremos mais criança em casa no próximo ano; é a ausência que se anuncia; contudo, Benício, nosso primeiro afilhado, no próximo Natal, terá a consciência do primeiro presente.

A vida, presenças e o presente não existiriam – tal qual entendemos – sem a consciência da morte, das ausências e do passado.  

A necessária incompletude dos poderes

Temos um Executivo que sonha poder julgar, um judiciário que ambiciona legislar e um Legislativo que almeja governar.

Os três estão atuando seus espúrios desejos.

Um adulto maduro e saudável, necessariamente, na resolução da situação edípica, precisou abrir mão dos pais como objetos sexuais, para estar livre para todas as demais possibilidades.

Quando isso não acontece, ele segue, neuroticamente, buscando pessoas simbolicamente interditadas. Nunca se apropriam plenamente da sua sexualidade; ela fica com uma marca de ilegitimidade e clandestino roubo.

Na vida amorosa, sexual, profissional, institucional (…) precisamos elaborar a incompletude e incorporarmos o saudável limite libertador.

Só assim se consegue exercer plenamente todas as potencialidades.

Nossos poderes seguem querendo dormir com a mãe e bulinar o pai.

Não creio que regredimos à horda primitiva do bolivarismo.

Mas existe um processo ativamente doentio.

Ou enfrenta-se o adoecimento institucional, restabelecendo-se as devidas interdições, ou se gestará uma deformação.

 

Oh ímpio vidente!

Não gosto de identificar os personagens públicos dos meus posts; também não o farei com o vidente às avessas que aqui descreverei; darei algumas dicas, só os mais próximos conseguirão identificar, os demais poderão construir o personagem a sua imagem e fantasia, vamos a elas: é negro, médico, cuida predominantemente da saúde masculina – como todos sabem, existem vários com tais características em Pelotas -, tenista que desfila sua leveza pelas quadras de saibro do Parque Tênis, grande sacador – seus aces só são superados pelo número de duplas faltas -; creio não ter cometido nenhuma indiscrição.

Contudo, seu grande diferencial são as profecias, é nosso polvo Paul, ou melhor, como estamos no Pampa, é nosso quero-quero, se ele canta de um lado, o ninho está do outro. Futebol, tênis e política são algumas de suas especialidades. Suas profecias favoráveis já acabaram com o futuro de futebolistas, tenistas e políticos. Vejamos algumas das suas profecias:

• Sobre Ronaldo, fenômeno, após lesão antes da copa de 2002, vaticinou, usará muletas pelo resto da vida, nunca mais jogará.

• Apesar de colorado, há 15 anos, um após o outro, diz que o Grêmio ganharia um título na importante na próxima temporada. Em 2006, na final contra o Barcelona, em um exercício de autocrítica, comentou que um time com Iarley e Gabiru no plantel seria goleado. Já em 2010, estava confiante: contra o Mazembe será um recreativo, depois, atropelaremos a Inter de Milão.

• Após Assistir Nadal jogar em São Paulo, classificou-o como um baloneiro morto, jamais seria número um; suas esperanças foram depositadas no Bellucci, com certeza, seria top five.

• Há dois anos, semanas antes de Wawrinka, ganhar o Austrália Open, cravou: jamais um revés com uma mão só voltará a ganhar um Grand Slam.

• Djoko era um enganador; Damião seria o novo Van Basten; Neymar desapareceria quando não jogasse mais ao lado de Ganso, já o último juntava as qualidades de Platini e Zidane. O grande nome da copa seria Bernard, aposta que virou convicção antes do jogo contra a Alemanha.

• Poderia ser só engraçado, se não tivesse seu aspecto trágico, após a entrevista pré-eleitoral de Eduardo Campos, não tinha a menor dúvida que ele seria o novo presidente do Brasil.

A lista é longa, mas não são as previsões do passado que assustaram os amigos na presente semana, foi a triste previsão que nosso amigo Francis, o anima dor de velórios, teria uma vida longa. A previsão surgiu como um soluço de Pai de Santo: espontânea, automática e inexorável.

O ambiente silenciou; Francis emudecido, lacrimejou. Como um Isaac condenado ao sacrifício pelo pai celestial e terreno, resignado, aceitou o veredicto dignamente.

A notícia correu a cidade.

Comerciantes do centro e das Três Vendas soltaram foguetes, o fiscal, ou auditor, implacável logo estaria fora de combate.

O clube suspendeu a obra que aumentaria a altura das quadras cobertas.

Os irmãos começaram a fazer a relação das camisas polos que a cada um escolheria. Os filhos, apesar de entristecidos, não deixaram de checar se o seguro de vida estava em dia.

Floriculturas começaram a receber encomendas, a maioria de amigos; afinal, o velório dele não poderia ficar atrás dos que ele animou até então. Mas há quem diga que algumas encomendas foram reservadas para assediar a futura viúva.

O nosso cover de fisioterapeuta, líder da mais aclamada banda de rock da região, já prepara um número especial para o velório.

O comerciante chinês sentiu-se traído pela previsão, não que guarde um apreço especial pelo Francis, mas imaginava que em 2016 ganharia pela primeira vez do futuro falecido.

O arquiteto ofereceu-se para fazer o projeto de um túmulo digno da altura dos seus balões – como tenista.

Enfim, o grupo das terças-feiras do Parque Tênis está abalado emocionalmente. A morte que sempre foi a única certeza, nas palavras do nosso ímpio vidente, ganhou contornos de implacável e próxima  realidade.

Na próxima terça, se não estivermos envolvidos com o velório, será nosso último encontro de 2015, nosso vidente prometeu fazer previsões sobre os destinos do país – leia-se: Dilma, Lula, Cunha, Temer (…) – e dos demais atletas do grupo.

Porém, alguns creditam a esta promessa seu desaparecimento, nosso vidente não é visto desde terça, suspeita-se que o Planalto Central, incorporados pelo espírito Gengis Khan, que mandava matar os mensageiros de más notícias, ansiosos frente a inapelável profecia, não seguiram o provérbio latino “Ne nuntium necare” (Não mate o mensageiro).

Como digna e resignadamente, após a profecia, comentou nosso Francis: a sorte foi lançada!

Porém, toda notícia triste tem seu lado positivo; a alegre avidez com que ele se jogou nas batatas fritas, ignorando as orientações da esposa/médica/futura viúva, foi emocionante.

A conversa com a morte pode ser libertadora.

Palavras após reeleição na SPPel

Gostaria de agradecer a todos pela confiança, e, também, pelo necessário quantum de desconfiança – que também me representa -, na equipe eleita para coordenar os rumos da SPPel (Sociedade Psicanalítica de Pelotas) no próximo biênio. Eu, por exemplo, depois de muita reflexão, concluí que tenho 65% de confiança, 25% de desconfiança e terríveis 10% que se negam a decidir sobre a minha condição de estar/permanecer presidente.

Mas, ao sermos eleitos, sem falsa modéstia, eu diria que somos a expressão da melhor possibilidade que a Sociedade encontrou para tal missão, sim, infelizmente, também somos a medida da limitação.
Nosso crescimento seguirá dependendo da tradição, da experiência de todos que trouxeram a sociedade até aqui, sem isso, o voluntarismo, a criatividade, impulsividade e o desejo de avançar em um ritmo mais rápido se transformaria em um caótico desgoverno. Por outro lado, a tradição, sem uma pitada de inovação, talvez, até, transgressão, torna-se uma compulsão à repetição desvitalizada.

Todos temos nossas poções de tradição e transgressão, é na busca da melhor solução entre estas tendências individuais e grupais que seguiremos os passos dos nossos patriarcas. Nada mais tradicional do que pretender fazer parte de uma sociedade psicanalítica vinculada a Febrapsi, a FEPAL e a IPA (Associação Psicanalítica Internacional); nada mais transgressor do que fundá-la neste rincão – para quem não conhece, para dar uma pista da nossa localização, a festa de confraternização anual será em uma fazenda entre a estação Ecológica do Taim e o Chuí.

Somos frutos desse movimento – que fundou em Pelotas a primeira Sociedade Psicanalítica vinculada a IPA em uma cidade do interior do Brasil -, gostaríamos de ser sementes para a continuidade do mesmo.

Termino, repetindo, a mesma frase que falei após a eleição para o primeiro mandato:
Citando Freud, que por sua vez, cita Goethe: “Aquilo que herdastes de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu”. Esta Sociedade precisará ser constantemente sonhada, fundada, viabilizada, interpretada, reinterpretada, ressonhada, recriada, refundada (…). Para que assim, a cada tempo, todos possam senti-la como sua. Um novo mandato é um sonho que precisa ser viabilizado, comecemos (…).

Delação premiada: a genial utilização da satanização contra os Anjos Caídos

Segundo a parábola bíblica, Cristo, após jejuar 40 dias no deserto, faminto, encontra Satanás. Este lhe oferece o embrião da delação premiada: pão, posses e poder (…). Mas, Cristo, como Cristo, não caiu em tentação.

Pois bem, alguns países aprimoraram e gestaram uma pós-moderna “Delação Premiada”, incluíram nos seus códigos, inclusive o nosso, como tão orgulhosamente nossa presidente lembrou na campanha.

Algo pensado por Satanás contra Cristo poderá ser bom?

Sim, a sacada, diabolicamente genial, usa a satanização contra os Anjos/políticos/empresários (…) Caídos; visa proteger novos políticos/empresários/juízes, que estão longe de serem Cristo e, portanto, são vulneráveis a tentações terrenas.

A Delação Premiada – em maiúsculo, pela demoníaca santidade – só funciona quando utilizada contra pecadores reincidentes. Todos já pegaram mais pão do que lhes era devido; já tentaram o Senhor – seja lá que forma este tenha para um Estado Laico -; além de adorarem deuses profanos – aqui é mais fácil imaginar as forma.

O Estado Leigo, a partir do encontro entre Cristo e Satanás no deserto, criou um novo catecismo, é impressionante a rapidez com que seus pecadores/criminosos – quanto pegos em delito –  passaram a utilizar a Delação “confissão” Premiada.

Os primeiros, feito São Tomé, mais desconfiados, demoraram meses, mas, agora, Delcídio – que significa cheio de doçura – em menos três semanas, ajoelhou, chamou o confessor e fará, segundo alguns, a delação das delações.

O paraíso pode ser uma tornozeleira eletrônica.

Políticos nus e suas fantasias

No presente ano, tivemos um desfile de reis/políticos governantes nus, cada um imaginando vestir o mais belo traje. Ao longo do ano, fiz alguns comentários sobre as fantasias que desfilaram nas passarelas do nosso país. Apresento aqui a compilação de comentários realizados no calor dos acontecimentos. Percebam que os modelos não deixam nada a dever aos do Baile da Ilha Fiscal. A lista é retroativa.

  • Ofensas

A utilização, por si só, de comunista/esquerda ou conservador/direita como adjetivo com intenção de ofender, informa pouco sobre as reais qualidades do supostamente ofendido; porém, muito sobre a sofisticação (ou falta de) intelectual do ofensor.

Mas, pior do que uso ofensivo, é quando elas são utilizadas como sinônimo de integridade moral e ética, capacidade administrativa, bondade, humanidade – ou seus respectivos antônimos.

Se o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, como escreveu, ainda no século 18, Samuel Johnson; eu diria que a comparação é a derradeira defesa dos intelectualmente desonestos.

  • Divórcio e mentiras

Dilma e Cunha, como vários casais em processo de divórcio, chamam um ao outro de mentiroso(a). Uma certeza: os dois falam a verdade! A sobrevivência de ambos depende da podridão do outro (e seus respectivos entornos), portanto, ambos melhoraram suas chances.

  • O senador e a numeróloga

Um Senador da República que, no ano passado, por sugestão de uma numeróloga, acrescenta um “do” entre o nome e o sobrenome, prescinde de gravações ou confissão para comprovação de responsabilidade por crimes. É o primeiro caso que a culpa não está na cara, mas, sim, no meio do nome.

  • Bancos e rebaixamento

Dilma “Eurico Miranda” Rousseff perde a paciência com Celso “Bradesco Levy” Roth. Ligou para Marina “Dinamite” da Silva, desculpou-se pelos ataques da campanha e pediu ajuda para aproximar-se de Neneca “Zinho” Setúbal que sugeriu que Jorginho “Itaú” de Jesus assuma o comando do Riascos.

  • Jornalista ingênuo!?

Costumo brincar que aprendi a ler na Bíblia da minha mãe e na revista Placar do meu pai, portanto, sou leitor do Juca desde sempre. Jornalista identificado com a esquerda, mas que não virou um blogueiro jagunço, como vários da esquerda e da direita. O seu post de hoje é um avanço, mas uma pessoa com sua idade, com sua experiência e com sua capacidade crítica não pode utilizar-se do conceito da ingenuidade, sem que com isso escorregue na rampa da autocomplacência, que para pessoas inteligentes – como ele é – nada mais é do que um flerte com a desonestidade intelectual. Na mesma parte do texto, é quase um lapso a responda “mas pelo menos não é para enriquecimento pessoal”. É uma justificativa que anda de mãos dadas com o rouba mas faz do adhemarismo.

Sim, podia ser pior, mas, eu esperava mais. Não é imperdoável, como no caso do Zé para ele, porém…

  • José Dirceu e a Brasil dela

Este Sérgio Moro é um paranaense genérico, o original é o caipira de Cruzeiro do Oeste, esse não precisou mais de dez minutos para colar o acachapante apelido de Pedro Caroço, no forasteiro Carlos Henrique. Impressionante como passados tantos anos, com tantos fatos, tenhamos ainda pessoas de bem – como era Clara Becker, pequena comerciante, que teve um filho com um homem que omitiu a sua verdadeira identidade – que acreditam e defendem o filho de Zé Gamela. Honestos trabalhadores e convictos militantes petistas precisam resolver se são Pedro Caroço ou Severina.

  • Dilma e a herança de Gabriel

Do meu ponto de vista, a mais brilhante fala de Dilma Rousseff foi respondendo à ignóbil pergunta de Agripino Maia; dificilmente, ela voltará alcançar tal feito. Ela falou das entranhas, com sentimentos a flor da cicatriz. Não foi uma resposta casuística, politiqueira. Não era ventríloqua de um marqueteiro. Falou de uma experiência, de um momento, de um lugar que não cabia contestação. Não precisou preocupar-se com a construção de frases, foi à expressão do que Winnicott traduziria como do seu verdadeiro self. Na ditadura ela correu risco de perder a vida, para salvar um bem maior: sua alma, suas convicções e sua biografia. A resposta, por si só, seria a maior herança que ela poderia deixar para Gabriel, seu neto.

É uma lástima que em seu pronunciamento nos EUA sobre a delação premiada, ela tenha utilizado a mesma matéria prima – sua irretocável atuação na ditadura -, para atacar a democracia e seus instrumentos. Confundindo a mentira que protege companheiros de luta e ideal durante a ditadura, com a mentira – ou, na melhor das hipóteses, com a fuga da verdade – para proteger golpistas de quinta. O delator é um criminoso confesso, denunciou supostos criminosos – se forem confirmadas as denúncias -; atacar a delação é atacar um instrumento democrático por ela sancionado. Aqui ela ofereceu a alma, para proteger o couro, é compreensível, mas conspurca sua maior conquista. Em meio a resposta ao senador canastrão, Dilma falou:

“Mentir na tortura não é fácil. Na democracia se fala a verdade.”

Dilma tem que resolver que legado biográfico quer deixar ao neto, se da dignidade que mente na tortura ou da torpeza que tenta ocultar/mascarar a verdade na democracia.

A meu ver, aqui estão o melhor e o pior momento da vovó Dilma, ela ainda tem tempo de reposicionar-se, fazer valer o que repetiu ad nauseam na campanha, que em seu governo não se atua politicamente para impedir investigações. Caso contrário, estará condenando Gabriel a conviver com a confusão de não conseguir distinguir a digna peruca que ela usava por conta do tratamento contra o câncer, do ridículo acaju do senador potiguar. Torço por Gabriel!

  • Pelé e Edson

Se o que cada um falasse tivesse a repercussão que tem o que Pelé fala, provavelmente, não acharíamos que ele fala muito mais besteiras do que a média. Contudo, percebo que a cada besteira dita, há uma surpresa desmedida, como se ele não pudesse piorar. Podemos compreender – que é diferente de aceitar como decente – os motivos/interesses pessoais que levam um homem a expor uma potencial filha nua em uma fila de teste de paternidade, ou algo que o valha. Porém, não me parece compreensível surpreender-se com qualquer outra atitude que este possa ter na vida. Bastaria o gol contra Pais de Gales para definir a genialidade de Pelé, da mesma forma, bastaria acompanhar a sua atitude com a filha Sandra, para definir o que se pode esperar de Edson.

  • Fidelidade de cunhado(a)

Em uma sociedade de filhos únicos, vários parentes desaparecem: irmãos, tios, cunhados, sobrinhos, primos entre outros menos votados. É uma lástima, porém, para a política brasileira, ao menos o desaparecimento de cunhados(as) pode ser um alívio. Jango pagou o pato pelos discursos “incendiários” daquele que não se considerava parente. Collor, ao dar uma de Palhares, fixando o olhar por mais tempo do que o devido na cor jambo que ficava entre o joelho e a barra da saia de Tereza, recebeu o troco no seu devido momento. Por falar em troco, sinto que a cultura do filho único chegará tarde demais para o PT.

  • O réu e o advogado

Em 05/02, escrevi o post abaixo, só a onipotência (que tem origem em um núcleo psicótico da personalidade ou dos grupos), poderia imaginar que, naquela altura do campeonato, negar a realidade poderia dar certo. Existem limites para a possibilidade de dobrar a aposta. Eis o post:

“Como tendência, sou, excessivamente, complacente com quem mete a mão no meu bolso e reajo com afetação desproporcional, quando me tratam como imbecil. Ou seja, prefiro (ou tolero) ser roubado, a ser tratado como idiota. Neste sentido, devo estar na contramão da maioria da população brasileira – só tal assertiva pode justificar a nota do advogado do tesoureiro do PT. Ela é um acinte a capacidade de pensar da população – também seria se fosse relativo ao comportamento do tesoureiro de qualquer outro partido (que, provavelmente, utilizariam o mesmo expediente).

Entendo, perfeitamente, que em um estado de direito, todo e qualquer réu tenha a sua defesa. Mas estranho que um ex-presidente da OAB (seção de São Paulo) se preste a assinar uma nota com tamanha desonestidade intelectual. Acredito que qualquer estagiário poderia proteger seu cliente sem manchar a biografia escorregando para tal desfaçatez. Que, por sinal, cedo ou tarde, atingirá seu próprio cliente.

Sinceramente, sinto-me mais afetado por tal nota (ser considerado analfabeto funcional), do que pela concretude negada por ela (ser tungado).

Eis o comentário da nota:

O advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D’Urso, disse, em nota enviada à imprensa, que ele “há muito ansiava pela oportunidade de prestar os esclarecimentos”. Segundo o defensor, o “PT não tem caixa dois, nem conta no exterior, que não recebe doações em dinheiro e somente recebe contribuições legais ao partido, em absoluta conformidade com a Lei, sempre prestando as respectivas contas às autoridades competentes”. (Fonte: UOL)”

  • Habeas corpus para mentir

“Ontem (8), o ministro Teori Zavascki, do STF, concedeu um habeas corpus a Vaccari para que ele não seja obrigado a assinar o termo de compromisso que determina que ele deve dizer a verdade no depoimento de hoje.” (Fonte: UOL)

Pobre homem, ninguém deveria ter o direito de expô-lo a tamanha humilhação. Estela, nossa gata, de três meses, recém-chegada ao novo lar, dissimula, disfarça e não responde quando percebe que vamos cobrá-la por burlar as regras. Eu, por sua vez, nas últimas semanas, tenho dito que o saibro que marca o chão da casa foi trazido pela Estela. Nenhum de nós precisou contratar o ex-presidente da OAB (São Paulo) para entrar no STF para assim procedermos.

Esta perseguição aos tesoureiros do PT precisa terminar, ninguém tem o direito de burocratizar, exigindo autorização do STF, para que eles funcionem dentro do natural modus operandi. Pensem bem, este homem deve ter filhos, talvez netos, cunhada com certeza, usa aquela mochilinha estilosa; deve cumprimentar os vizinho, pagar religiosamente o dízimo ao partido; tem um ar de fazer um bom churrasco e, agora, esse habeas corpus a manchar uma biografia que levou uma vida para ser construída.

  • Land Rover e a inflação

O Land Rover, Defender, do Silvinho, em 2005, quando novo, custou R$ 80.000, mas ele aceitou de segunda mão, já valia menos. A Evoque, da Patricia Cerveró, em 2012, R$220.000, pagos em dinheiro – literalmente. É um absurdo – um assalto – o que estas multinacionais estão fazendo no país, nada justifica tamanho aumento de preço. É uma atitude golpista com o país, visam aumentar a inflação para desestabilizar o governo.

  • Marta Suplicy e as vacas

Marta Suplicy está implacável, primeiro foi a vaca tossindo, depois a engasgada e hoje ela aborda a que vai para o brejo. Não estranharei se ela falar de vaca leviana. Em politica, certas coisas, quando insinuadas sobre outra mulher, só parecem “aceitáveis” quando ditas por outras mulheres e da mesma família. No mesmo artigo, Marta ataca Dilma e o PT, afaga FHC e, principalmente, segundo minha interpretação, manda uma mensagem cifrada para Lula. Já herdou com ele? Perguntam alguns, quando se faz um elogio que lhes parecem excessivo a alguém. Em politica, mas não só, poderia-se perguntar: já te divorciou dela(e)? Marta, no processo de divórcio, diferente de Marina, em meio a guerra dos Rose, não se preocupará com valores cristãos.

  • Divórcios petistas

Verdades, ou mentiras, que só aparecem durante o processo de divórcio.

Marta Suplicy, hoje, na Folha de São Paulo: “(…) fazendo a vaca engasgar de tanto tossir. (…)”

Pelo andar da carruagem, no processo que se anuncia, o “leviana” de Aécio – no sentido nordestino, emprestado por Lula –, quando comparado com o fogo amigo da correligionária, será lembrado como um carinho por Dilma.