Análises (Terapias), Distâncias e seus Presentes

Analisar-se, ou fazer terapia, via de regra, não é algo fácil. Geralmente, o início é gatilhado por uma necessidade, dor, percepção que o modus vivendi não está satisfatório ou autossustentável.

A decisão implica em coragem, disponibilidade, tempo, investimentos financeiros e, principalmente, afetivo.

São muitos os fatores imbricados na escolha de quem ouvirá (acompanhará) nossas dores, mazelas e aquilo que ainda não tem palavras para comunicação.

Não raro, viaja-se (no sentido que quiserem dar) para se ter o encontro. Sim, literalmente, também! Ao longo dos meus anos como psicoterapeuta e analista, sempre, um percentual significativo dos meus pacientes eram (são) de outras cidades. Eu, mesmo, tenho experiências de analisar-me com pessoas radicadas em de outras cidades.

Há poucas semanas, conversava com uma ex-paciente que, durante anos, viajavas 700 km (ida mais volta) para os nossos encontros. Durante a vinda, perguntava-se: “que loucura é essa? Vale a pena? É necessário?”.

As idas e a vindas eram sessões estendidas. Agora, um pouco mais segura sobre seus investimentos afetivos, confessou-me: parte do que bancou os meus investimentos, eram os doces de Pelotas que eu comia após uma sessão, acompanhados por um café, à espera de um sereno decantar dos meus afetos e pensamentos.

Imediatamente, lembrei-me que em um dos períodos que eu viajava para me analisar, após as viagens que iniciavam às 4 ou 5 da manhã dos sábados, antes das sessões, eu tomava um satisfatório café da manhã em lugar legal e, por um tempo, acompanhava o elegante despertar da região. Entretanto, uma vez, o atraso da viagem me impossibilitou. Fui ao encontro do analista, que generosamente me recebia em sua casa, após duas sessões contiguas, ao sair, no encontro das Marquês, como ele denominava sua localização, observo que recém abrira uma enoteca junto a um pequeno bistrô (acho que era a Vinun). Ela tinha umas máquinas novas que possibilitavam escolher alguns bons rótulos e comprar em taças. Sentei-me e pensei: vou relaxar e tomar uma taça! Fui atendido pelo dono, que começou a falar-me sobre o projeto, as máquinas, os vinhos (…), após a primeira, já mais relaxado e sem lembrar que não havia tomado café, lentamente, entreguei-me a provar as pequenas porções, ignorando que os volumes se somavam (e, também, os valores). Lá pelas tantas, o proprietário tornou-se meu amigo de infância e os vinhos evaporavam-se pelas veias da alma.

Não me lembro do retorno, nem dos seus sonhos; ou melhor, acordei-me com o motorista da Embaixador me chacoalhando. Sim, eventualmente, precisamos do complemento de alguns açucares (nas suas variadas formas) como decanter para melhor liberar os aromas e sabores de certas experiências.

P.S. Apesar das facilidades dos atendimentos on-lines, várias pessoas ressentem-se da falta das viagens como elementos decanta/dor!

Sobre Hemerson Ari Mendes

Psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Pelotas – Febrapsi - IPA), médico psiquiatra (UFPel), mestre em saúde e comportamento (UCPel). É diretor da Clínica Ser e durante 18 anos foi professor de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina UCPel, atualmente, licenciado. Sim, também, disgráfico.

Publicado em 07/09/2021, em Psicanálise e psiquiatria. Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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