Meu Preconceito com a Doença Mental

Sim, parece estranho, haja vista que trabalho basicamente com estas questões. Entretanto, preconceitos têm uma base inconsciente; simples demão de racionalidade podem escamotear os preconceitos, mas não o eliminam.

Vamos aos fatos! Em dezembro, subitamente, percebo que não estava enxergando na metade medial do campo visual do olho direito. Imediatamente, marquei uma consulta com meu oftalmologista, Rafael Loeff. Na anamnese, ele me pergunta se eu vinha mais estressado do que o habitual. Responde que sim, que estamos vivendo tempos estranhos, que de alguma forma isso, entre outras coisas, me sentia sobrecarregado.

Imediatamente, lembrei-me que há mais de uma década havia consultado com ele, que recém havia comprado vários dos aparelhos que compõem a parafernália de um consultório oftalmológico. Descreveu em especial um, que segundo ele, na época, mostrava de maneira inequívoca um gráfico que específico quando as alterações eram de ordem psiquiátrica. Então pensei: pqp, só o que me falta aparecer a imagem da histeria!

Percebam, outras alternativas, inclusive a que eu imaginava, que veio a se confirmar, o descolamento de retina, implicaria em cirurgia de urgência, além do risco de efetivamente perder a visão. Tumores, inclusive malignos, não estavam descartados. E eu, num misto de negação e preconceito, com minha mente preocupado com a possibilidade de estar com um sintoma psiquiátrico. E se tivesse, frente ao fato inequívoco que não estava enxergando parcialmente, será que não seria melhor? Eu não confio nas abordagens psiquiátricas/psicoterápicas/psicanalíticas a ponto de preferir uma patologia com tratamento cirúrgico?

Não, a resposta está no preconceito com a doença mental, algo que está inscrito nas profundezas, que reaparece em momento de dor/medo e consequente regressão. Acompanhado da ideia de como psiquiatra e psicanalista ficaria socialmente exposto com uma doença predominantemente emocional. Um pensamento superficial, quase ingênuo.

Ninguém tem uma vacina permanente quanto às manifestações sintomáticas de etiologia emocional. Crises vitais e acidentais – inevitáveis ao longo da vida-, problemas clínicos, pandemias que nos atropelam, perdas reais ou fantasiadas; até acontecimentos positivos, como o crescimento dos filhos que vão para o mundo (…) vão impondo necessidades de novas adaptações, desenvolvimentos e elaborações. Neste percurso, ninguém está blindado/imune.

Obviamente, boas experiências passadas, procuras precoces de ajuda entre outras coisas ajudam a se ter uma boa evolução, que às vezes são experimentar sintomas menos intensos e duradouros.

Não cabe juízo de valor sobre se nossos parafusos espanados geram sintomas histéricos ou descolamento de retina. Até porque, quando a retina descola e o medo/vergonha de que isso seja um problema emocional, talvez, já seja, também, o próprio.

Sobre Hemerson Ari Mendes

Psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Pelotas – Febrapsi - IPA), médico psiquiatra (UFPel), mestre em saúde e comportamento (UCPel). É diretor da Clínica Ser e durante 18 anos foi professor de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina UCPel, atualmente, licenciado. Sim, também, disgráfico.

Publicado em 07/03/2021, em Psicanálise e psiquiatria. Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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