Quando somos plantas!

Raphael, o terceiro, saiu de casa há sete. Primeiro, Porto Alegre; depois, nos últimos três, Florianópolis. Após duas semanas da primeira quarentena – não sabíamos que seriam várias – ele regressa para seguir seu home office por alguns dias em Pelotas, que se tornaram semanas, até a definição que permanecerá no mínimo até o final do ano.
Sua pequena mala se tornou insuficiente. A manutenção de um apartamento desnecessária. Sintonizado com a fluidez e impermanência dos tempos atuais; rapidamente, vendeu alguns eletrodomésticos e moveis, deixou algumas coisas na casa de um amigo e trouxe o restante dos seus pertences.
Na chegada, me aponta para um vaso com algumas espadas de São Jorge, mantidas só com água, e me pergunta: lembra? Já respondendo que só mudou o vaso, quebrado em uma faxina.
Elas pertenciam ao apartamento que morávamos antes da sua migração. Complementa que elas o acompanharam por todo o período.
É interessante a forma pela qual somos representados nas mais diversas relações. Podem ser fotografias, plantas, músicas, adereços, cheiros, gestuais quase imperceptíveis, paixões clubísticas, a fumaça que se espalha após uma tragada (…) e assim por diante.
Estranho, no sentido freudiano – que sempre guarda algo de conhecido -, que o objeto tenha sido uma planta, pois nunca o vi demonstrar interesses por elas. Entretanto, há alguns anos, escrevi sobre as ameixeiras que eram o meu pai. Hoje, utilizo parte dos meus finais de semanas olhando o projeto do meu jardim e garimpando as mudas para montá-lo feito um quebra-cabeça, algo que se relaciona com minha mãe.
Ou seja, as escolhas permeiam gerações; são decisões movidas por determinantes inconscientes, ligando as famílias pelos fios invisíveis dos afetos/interesses que não se sabe aonde nasceram, nem por onde andarão.
Também somos reino vegetal, mineral entre tantas outras possibilidades.

Sobre Hemerson Ari Mendes

Psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Pelotas – Febrapsi - IPA), médico psiquiatra (UFPel), mestre em saúde e comportamento (UCPel). É diretor da Clínica Ser e durante 18 anos foi professor de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina UCPel, atualmente, licenciado. Sim, também, disgráfico.

Publicado em 19/07/2020, em Psicanálise e psiquiatria. Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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