Arquivo da categoria: Psicanálise e psiquiatria

Pedro e seu berço!

Há algumas semanas, logo após saber que seria avô, Raphael – implicando com a Marina, a irmã grávida – comentou:
– por que não vens ter o parto em Pelotas? Se ele nascer aí (Paraná), ele será brasileiro. (logo ele, o mais desapegado, em menos de dois meses em São Paulo, sente-se um quatrocentão de cegonha com o GPS avariado)
Marina, que parece sempre ter sido bicho do Paraná, adaptada ao seu novo estado da mesma maneira que eu ao pampa que me acolheu, respondeu:
– o pai sempre disse que era mais do que pelotense, tinha filhos pelotenses. Agora, o mesmo vale para mim, sou mais que paranaense, terei um filho paranaense (acrescente-se, como o avô).
Na minha frase “sou mais que pelotense”, não se poderia trocar pelotense por gaúcho. Sinto-me mais identificado com as especificidades pelotenses do que as generalidades da tradição gaúcha. Pouco tempo depois de aqui chegar, não pensava em daqui sair. Apesar de ter orgulho, em especial, do paranaês, língua mãe que me identifica e define. Por outro lado, frente a tantas possibilidades, fiquei feliz da minha filha ter “voltado” para o Paraná. Na época, escrevi: (…) como na parábola bíblica, se meu estado mãe exigisse uma prestação de contas do que fiz com os “talentos”/investimentos que me foram concedidos nos 17 anos que lá vivi, eu, certa e tranquilamente, apresentaria a Marina.
Meu neto Pedro – nome do patrono do RS ou, se preferirem, do índio missioneiro – há poucas semanas, ainda no ventre materno, conheceu o que carregará como marca para o mundo que explorará: um vasto campo com um capão de araucárias no altiplano dos Campos Gerais, ligado pelos caminhos dos tropeiros (e dos afetos) até os Campos Neutrais (berço dos pais)!

* Escrito em 20/09, feriado no RS, referente à Revolução Farroupilha. Chove em Pelotas como na Macondo de Gabo.

Rendição!

Precisamos aceitar que perdemos a guerra contra a covid-19. Faz-se necessária uma rendição. Será salutar a aceitação, ela nos libertará para pensar o futuro: sem a irresponsabilidade da negação e os medos de quem busca a vitória do risco zero.

Todos, frente ao medo e ao desconhecimento, resguardaram-se com gambiarras, mais ou menos racional. Tiveram os que rapidamente aceitaram às orientações de distanciamento social, uso de máscara e demais cuidados; tivemos os que negaram peremptoriamente o tamanho do problema, abraçaram a narrativa da gripezinha – para ficarmos em dois extremos, com as infinitas tonalidades de cinza entre elas. Tivemos os fervorosos defensores da cloroquina e seus congêneres (estão silenciados ou silenciosos?); mas, também, precisamos admitir que as vacinas (sem dúvidas a melhor arma disponível) não trouxeram a mágica solução da segurança absoluta; elas diminuem de forma significativa a morbidade e a mortalidade, os desfechos mais importantes. Mas, não acabarão com a transmissão e, portanto, com o risco de novas cepas; também não sabemos o tempo que elas manterão a proteção. Ou seja, a covid continuará entre nós.

Neste sentido, a negação – agora na forma do cantar vitória – e, no outro extremo, o medo paralisante – que aguarda pela segurança absoluta – não são autossustentáveis. Não se pode imaginar e agir que podemos voltar a um funcionamento que se tinha antes da pandemia e, também, não podemos esperar indefinidamente para se retomar certas atividades. Bem antes da pandemia, Guimarães Rosa nos anunciou: viver é muito perigoso! Mas, também, nos ensinou: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Precisamos ter coragem para aceitar a derrota e os termos da rendição; só assim poderemos voltar usufruir da liberdade e dos perigos inerentes ao viver. A obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares com aglomeração; passaporte de vacinação obrigatório para certas atividades são algumas das condições elementares que a pandemia imporá para aceitar a rendição. Ah, sim, não imaginem tentar burlar o acordo, o rompimento ostensivo e sistemático, por si só, cobrará a multa da desobediência. Os vírus não aceitam desaforo, são intuitivamente taliônicos.

No mais, o médico Guimarães Rosa, aconselha: “Calma. É só aos poucos que o escuro fica claro”.

Análises (Terapias), Distâncias e seus Presentes

Analisar-se, ou fazer terapia, via de regra, não é algo fácil. Geralmente, o início é gatilhado por uma necessidade, dor, percepção que o modus vivendi não está satisfatório ou autossustentável.

A decisão implica em coragem, disponibilidade, tempo, investimentos financeiros e, principalmente, afetivo.

São muitos os fatores imbricados na escolha de quem ouvirá (acompanhará) nossas dores, mazelas e aquilo que ainda não tem palavras para comunicação.

Não raro, viaja-se (no sentido que quiserem dar) para se ter o encontro. Sim, literalmente, também! Ao longo dos meus anos como psicoterapeuta e analista, sempre, um percentual significativo dos meus pacientes eram (são) de outras cidades. Eu, mesmo, tenho experiências de analisar-me com pessoas radicadas em de outras cidades.

Há poucas semanas, conversava com uma ex-paciente que, durante anos, viajavas 700 km (ida mais volta) para os nossos encontros. Durante a vinda, perguntava-se: “que loucura é essa? Vale a pena? É necessário?”.

As idas e a vindas eram sessões estendidas. Agora, um pouco mais segura sobre seus investimentos afetivos, confessou-me: parte do que bancou os meus investimentos, eram os doces de Pelotas que eu comia após uma sessão, acompanhados por um café, à espera de um sereno decantar dos meus afetos e pensamentos.

Imediatamente, lembrei-me que em um dos períodos que eu viajava para me analisar, após as viagens que iniciavam às 4 ou 5 da manhã dos sábados, antes das sessões, eu tomava um satisfatório café da manhã em lugar legal e, por um tempo, acompanhava o elegante despertar da região. Entretanto, uma vez, o atraso da viagem me impossibilitou. Fui ao encontro do analista, que generosamente me recebia em sua casa, após duas sessões contiguas, ao sair, no encontro das Marquês, como ele denominava sua localização, observo que recém abrira uma enoteca junto a um pequeno bistrô (acho que era a Vinun). Ela tinha umas máquinas novas que possibilitavam escolher alguns bons rótulos e comprar em taças. Sentei-me e pensei: vou relaxar e tomar uma taça! Fui atendido pelo dono, que começou a falar-me sobre o projeto, as máquinas, os vinhos (…), após a primeira, já mais relaxado e sem lembrar que não havia tomado café, lentamente, entreguei-me a provar as pequenas porções, ignorando que os volumes se somavam (e, também, os valores). Lá pelas tantas, o proprietário tornou-se meu amigo de infância e os vinhos evaporavam-se pelas veias da alma.

Não me lembro do retorno, nem dos seus sonhos; ou melhor, acordei-me com o motorista da Embaixador me chacoalhando. Sim, eventualmente, precisamos do complemento de alguns açucares (nas suas variadas formas) como decanter para melhor liberar os aromas e sabores de certas experiências.

P.S. Apesar das facilidades dos atendimentos on-lines, várias pessoas ressentem-se da falta das viagens como elementos decanta/dor!

Azul, Rachid; Azul, Rachid!

É uma piada interna da província. Nos idos da década de 50, Rachid e Jacó, dois prósperos comerciantes, mantinham uma amizade improvável em outras latitudes, só se estranhavam em semana de Bra-Pel; Oriente Médio, religião e política não tinham lugar na pauta dos longos diálogos. Maria, nascida nos Açores, chegou na Princesa do Sul ainda criança; católica fervorosa, o que não a impediu de se apaixonar e casar-se com Jacó que, por sua vez, enfrentou milênios de tradição para colocar goela abaixo da família aquela gói, com sobrenome de frutífera; segundo ele, uma cristã nova.

Já maduros, a partir da proximidade dos amigos – ou, se preferirem, uma nova versão dos irmãos Isac e Ismael -, Maria e Rachid começaram um romance. Algo comentado e sabido apenas pelos libaneses, judeus e católicos da província.

Entretanto, ninguém se animava a colocar areia naquela amizade de décadas. Um dia, no habitual horário de encontro dos amantes – nas terças, Jacó mascateava pras bandas de Bagé -, durante o chá com bem casados, uma especialidade da amante anfitriã, ele pergunta para Maria qual lhe parecia a melhor cor para o traje que ele daria para Jacó. Maria elogiou a iniciativa, mas mesmo com a insistência de Rachid, ela não conseguia escolher a cor – a indecisão era um traço. Foi quando se escutou uma voz, com peculiar sotaque, vinda do último cômodo das antigas casas da tradicional arquitetura pelotense: azul Rachid, azul Rachid!

Sim, Jacó era o áureo-cerúleo.

Os pelotenses, até o desfecho que o Fragata acolheu (se não conheces Pelotas, ignora tal frase), respeitaram o romance e a amizade.

Com eles, aprendi: se os romances respeitarem o que é público (ou, se preferirem, também, o que é privado), se respeitarem o erário – independente da profissão, mesmo se presidente (ou bombeiros; sim, eles são um perigo para os poderosos) – não cabem moralizações e/ou condenações.  

Antes do Veneno do Cálice Derramar

*Texto escrito para o Observatório Psicanalítico – Febrapsi – (https://febrapsi.org/publicacoes/observatorio/observatorio-psicanalitico-op-264-2021/)

Em 2016, com o título “Cartas da Venezuela”, publiquei a seguinte narrativa:

“Há dois anos (2014)

Depois de dois dias de trabalho, na reunião de Presidentes das Sociedades Psicanalíticas da Federação Psicanalítica da América Latina (Fepal), realizada em Buenos Aires, um colega psicanalista da Venezuela – um senhor de 75 anos, que transpirava dignidade, mesmo para quem não o conhecia até então – fez um relato sobre as violações dos direitos humanos em seu país. Não falava de maneira afetada, maniqueísta, partidária. Falava da dor de ver uma geração sacrificada. Falava da falta de comida, que lembra o ditado sobre o que ocorre com as famílias na qual falta pão.

Na época, escrevi: tão longe, tão perto. Tão perto, tão longe? Lamentavelmente, a história sinaliza que não.

Há um ano (2015)

Após a mesma reunião, agora realizada em Bogotá, apenas uma presidente das Sociedades venezuelanas fez-se presente. No domingo, com os trabalhos já encerrados, a encontro no café da manhã, carregava um grande sacolão – com a naturalidade do sem noção. Comento: vais às compras? Ela confirma, diz que vai aproveitar para comprar shampoos, sabonetes, creme dental, papel higiênico entre outros “luxos” que estavam em falta na Venezuela. Conta sobre as ameaçadoras blitz no caminho do aeroporto e complementa que não imaginava que chegariam ao ponto em que estavam.

No presente ano (2016)

Agora no Rio, nenhuma sociedade venezuelana se fez representar. Apenas uma carta com a narrativa do que se pensava não poder piorar. A evolução do caos. Inflação galopante, a moeda entrou em colapso, as sociedades lutam para sobreviver, mas perderam completamente o poder de planejamento. Apesar do interesse por Psicanálise seguir vivo na Venezuela, muitas pessoas não conseguem manter seus tratamentos. Os custos de uma viagem ao Rio estavam proibitivos para as sociedades.

No primeiro ano, a presença com a comunicação da violência; no segundo, algumas ausências e a perda das condições básicas de auto-cuidado; no terceiro, apenas uma carta. A indignação evoluiu para uma desesperança e agora para um sentimento de impotência, mas não resignação.

Primeiro, estava ameaçada a liberdade de expressão; depois, a dignidade; agora, instalou-se a impossibilidade de ir e vir; os venezuelanos vivem numa prisão sem grades e muros; contudo, tão terrível quanto as clássicas.

Tão perto! Tão longe? Cartas da Venezuela clamam por companhia na manutenção da capacidade de pensar o caos.”

A partir desta publicação, a Fepal escreveu um manifesto sobre a situação. Na época, achei “estranho” – no sentido do centenário texto freudiano – o comentário da colega que ajudou a redigir, ela brincou que eu havia criado um problema, pois a Comissão Diretiva teve dificuldades de achar o tom adequado do manifesto, preocupados que este não ferisse suscetibilidades à esquerda e à direita.

Agora, com as devidas desculpas à senhora Klein, brinco eu: não imaginava que os seios bons ou maus estivessem associados ao lado direito ou esquerdo; mas, sim, à produção de leite ou veneno.

Avancemos para 2018, logo após o primeiro turno das eleições presidenciais, no Movimento Articulação, formado por várias entidades psicanalíticas, da qual a Febrapsi faz parte. Discutia-se a redação de um manifesto sobre o processo eleitoral; nesse meio tempo, por um “lapso”, uma colega de outra instituição publicou um esboço não aprovado com um explicito apoio a uns dos candidatos, como sendo o manifesto assinado por todas as instituições. O telefone da nossa presidente e, também, de alguns dos membros da Comissão Diretiva alternaram-se em chamadas elogiosas e contundentes críticas de vários membros, que acreditaram que a Febrapsi, de fato, era signatária do manifesto não aprovado. Indicação de que não éramos uma amostragem diferente do eleitorado como um todo.

A partir dessa situação, mas, não só, antes das eleições, a Febrapsi emitiu o seu manifesto (DEMOCRACIA, SIM! – Manifesto da Febrapsi / Notícias | FEBRAPSI – Federação Brasileira de Psicanálise), do qual publico aqui um resumo:

“Democracia, Sim!

(…) A atual eleição foi marcada pela vitória do “não”, seja como expressão do rechaço aos posicionamentos de um dos candidatos ou da rejeição à história de um dos partidos.

Cabe a nós psicanalistas, defensores intransigentes da democracia, pensarmos o que cada um dos agrupamentos de “nãos” defende; mas, principalmente, o que eles escondem, negam, denegam, recusam. Como bem nos ensina Freud sobre o negativo no inconsciente. (…)

A democracia é uma profissão de fé. Ela pode dar guarida ao inferno que se enxerga na posição dos outros e, também, pode proteger de quem vê o demônio em nós (ou vice-versa). Fora da democracia, tratamos as diferenças com os irmãos através das torturas, fogueiras, terrorismos, exílios, patrulhamentos moralistas.

A história mostra que esse é o clima mais propício para o pior dos mundos: o aprisionamento/homicídio/suicídio da própria democracia.

(…) Seria estranho se nesse momento não tivéssemos divergências entre nós.

Cabe a cada um defender suas convicções. Como instituição, defenderemos o sagrado resultado da subjetividade expressa pelos votos de cada um.”

De maneira geral, o Manifesto foi bem recebido pelos membros da Febrapsi; além de estar em consonância com o estatuto que proíbe manifestações político/partidárias. Ele antecipou qual era a maior ameaça nas eleições.

Narcisicamente, como um dos redatores, me senti satisfeito com a “obra” (com todos os sentidos que quiserem dar). Entretanto, hoje, ao reler, preciso confessar meu desconforto. Primeiro, tem um termo de cunho racista – “denigre-se” –, por anos, largamente utilizado por mim sem a menor crítica. Pergunto-me: como até pouco tempo, algo que hoje grita, eu escrevia com tamanha naturalidade? Talvez isso indique a necessidade de questionar se a maneira como institucionalmente nos posicionamos ontem vale para hoje!

No calor da batalha/polarização talvez não coubesse um posicionamento diferente. Mas, dada a sequência dos acontecimentos, é impossível negar a presença no candidato vencedor dos sinais que hoje ameaçam à democracia, suas instituições, o processo eleitoral, além das demais insinuações golpistas, como por exemplo: negação da ditadura, apologia a torturador, expressar o desejo de morte dos que estavam em desacordo com suas posições/crenças.

Entretanto, para o bem ou para o mal, não estamos sozinhos: em 2020, a Associação Americana de Psicanálise (APsaA), após a experiência dos quatro anos de Trump, antes da eleição, emitiu um contundente Manifesto, sem citar nomes – nem precisava, sinalizando que não há candidato perfeito – no qual defendeu a necessidade de certas características essenciais para um líder: capacidade de ouvir; empatia; compaixão; capacidade reflexiva e de lidar com verdades, mesmo as dolorosas; núcleo moral bem integrado, voltado aos bons valores humanos. Foi um claro e inequívoco posicionamento contra a maneira Trump de governar, terminando com o acachapante “Character matter”. Três meses depois, após a invasão do Capitólio, com Trump ainda no governo, agora com nome e sobrenome, ela defendeu o afastamento imediato do presidente golpista. A meu ver, os posicionamentos foram exemplares. Essencialmente, eles defenderam as qualificações necessárias para se manter uma democracia. Não se faz isso se abstendo de ser contundente contra golpismos e seus sucedâneos. A APsaA defendeu a democracia e, por conseguinte, a psicanálise.

Para não se perder o costume, evoco Freud, em 1926, o jornalista americano Georfe Viereck, provocou-o:

“Sempre me pareceu que a psicanálise desperta em todos aqueles que a praticam o espírito da caridade cristã. Não há nada na vida humana que a psicanálise não nos permita entender. Tout comprendre c’est tout pardonner”.

O próprio descreve a reação/resposta de Freud:

“Pelo contrário – enfureceu-se Freud, as feições assumindo a severidade arrebatada de um profeta hebreu – entender não é perdoar. A psicanálise não apenas nos ensina o que temos que suportar, ela também ensina o que temos que evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância do mal não é, de maneira nenhuma, uma consequência do conhecimento.”

Por outro lado, uma década e pouco depois, Freud relutou em abandonar Viena, de certa forma, acreditava que ele e sua família não seriam atingidos pelo nazismo. Só concordou após a Gestapo prender a sua filha Anna.

Temos um grupo governante em inequívoco movimento golpista, com ameaças explicitas, consubstanciadas por narrativas que são precipitados de Maduros e Trumps (não é uma questão de direita ou esquerda); mesmo primárias, elas têm eco! A história nos mostra que não se deve subestimar. Não há autocrítica, tampouco sinais de desistência ou arrefecimento. Vivemos um clima de “às favas com os escrúpulos”. 2022 começou, terminará?

Qual Freud nos orientará? Qual “estatuto” nos pautará? Confundiremos não manifestações político-partidárias com inações frente às ameaças de rompimentos institucionais que atingem o processo civilizatório e os direitos humanos? Seremos capazes de distinguir a (pres)suposta neutralidade/abstinência no nosso trabalho clínico de posicionamentos insossos, inodoros, quando não acovardados frente a realidade que nos cerca? Negaremos a força do silêncio/omissão como gritante posicionamento político? Seremos agentes propositivos ou deixaremos para reagir após o veneno derramado do “cálice”?

Enfim, vacinaremos nossas instituições para que sobre elas não recaiam as sombras da Casa da Morte de Petrópolis – com sua nova fachada – ou bovinamente aguardaremos a imunidade de rebanho?

Os livros começaram a ser queimados (ou não?), esperaremos que levem Anna? Para os padrões das manifestações das nossas instituições, a APsaA, corajosamente, apontou um novo caminho. “Esperar não é saber” ou, se preferirem, “A tolerância do mal não é, de maneira nenhuma, uma consequência do conhecimento”.

Dia do Psiquiatra

O que me levou a ser psiquiatra?

– A Loucura

Não no sentido clínico, classificatório; mas no popular, coloquial, corriqueiro

– A Loucura

Por obvio, incialmente, a minha; a do meu entorno; muito, muito depois, a dos pacientes

– A Loucura

Dos que perderam a razão e, principalmente, os com todas as razões

– A Loucura

Das dúvidas torturantes, menos grave do que das certezas incontestes

– A Loucura

Dos assumidamente loucos e dos pretensiosamente sadios

– A Loucura

Dos que rasgam dinheiro e a dos que só guardam

– A Loucura

Dos que tem fé e a dos São Tomés

– A Loucura

Dos que se entregam às paixões e a dos impermeáveis à ela

– A Loucura

Dos que pensam e não sentem e a dos que sentem sem poder pensar

– A Loucura

Dos que não aceitam a morte – e não vivem por isso – e a dos que querem morrer porque não toleram o viver

– A Loucura

Dos que transbordam e dos que desidratam

– A Loucura

Dos que falam/agem sem pensar e a dos que pensam sem poder agir/pensar

– A Loucura

Dos utópicos e a dos práticos desprovidos de sonhos

– A Loucura

Dos que saem da casinha e a dos que vivem aprisionados a ela

– A Loucura

Dos que sempre obedecem e dos que nunca cedem

– A Loucura

Do sexo desmedido e do sexo comedido

– A Loucura

Dos altruístas sem limites e a dos apenas egoístas

(…)

Não, não é uma glamourização da própria; tampouco, uma excessiva relativização; ser psiquiatra é aceitar que se lutará contra os danos da loucura, sabendo-se que não se pode eliminá-la; é conviver e ajudar a criar o paradoxal, complexo, é tentar integrar o contraditório.

Ser psiquiatra é cuidar da loucura, é dar a ela um cômodo e contorno na mente do vivente; mas, jamais eliminá-la.

Ser psiquiatra é aceitar a sua loucura; até porque, todos já sabem o quanto de loucura existe na escolha …

A propósito, hoje, 13/07, também é dia dos canhotos; psiquiatras – mesmo os destros -, como Carlos – o poeta – receberam a determinação do anjo torto para ser gauche na vida. Assim como o menino de Manoel de Barros, saíram a carregar água na peneira e, por este despropósito, são até amados.

Djoko, o Maior!?

Ele queria ser amado, será reconhecido! Suficiente?

Ele gostaria do calor dos afetos, se contentará com a incontestável frieza dos números?

A sua eficiência nubla a estética e a elegância, se ressente?

Creio que sim, a sua dor tem nome: ressentimento!

Como cartão de visita, apresentou-se como grande imitador; porém, queria mais…

Sem a fleuma suíça e a tradição espanhola, lhe emprestaram o estigma sérvio.

Sem o conforto para enfrentar o frio da Basileia, nem os prazeres do calor de Mallorca, trouxe para as quadras o clima da guerra: o gélido calor!  

Como refugiado, sua arma não poderia ser o ataque; mas jamais esquecerão o poder do seu contra-ataque.

Com o tempo, o filho da guerra perdeu a leveza, mas ganhou intensidade dos obstinados sobreviventes. Torço para que ele consiga chorar, seria o caminho para voltar a simplesmente sentir o presente e abandonar o re-re-re-ressentimento dos tempos da guerra.

P.S. Ah, sim, só para registrar, o seu técnico e a juíza da final são croatas. Um caminho para a paz pessoal.

Lazarentos!

Originalmente, o termo tinha como único sentido denominar os portadores de hanseníase. Referência a Lázaro, personagem bíblico, irmão de Marta e Maria, que foi ressuscitado por Jesus. O nome – que significado aquele a quem Deus ajudou – voltou ao noticiário por conta do assassino caçado por centenas de policiais no cerrado goiano.

Entretanto, especialmente para os paranaenses, há muito, o termo se desligou da sua origem. Assim como a lepra, é contagioso, passou a ser utilizado nas mais diversas situações, algumas com sentidos opostos.

O caso de Lázaro Barbosa pode mostrar a multiplicidade do seu uso. Em algum momento a sua lazarenta maldade o tornou um assassino. Alguns lazarentos enxergaram uma utilidade, contrataram a lazarenta competência para matar quem entendiam ser lazarentos que prejudicavam seus negócios. Julgado e enviado para uma lazarenta prisão, da qual se aproveitou da lazarenta incompetência do estado para fugir.

O lazarento mor se perdeu e, lazarentamente, passou matar a esmo. Mesmo assim, manteve a rede de apoio dos lazarentos que o contratavam. O Estado teve que dar uma resposta, ao invés de exercer a função dentro da lazarenta constituição, implicitamente, através do lazarento executivo, resolveu autorizar um justiçamento (“Lázaro, no mínimo preso …”). Escolheram centenas de policiais, os com pontaria mais lazarenta cumpriram a lazarenta missão, nada menos do que 38 lazarentos tiros, foi uma festa lazarenta. Inclusive dos lazarentos que o contratavam, não terão que se ver com lazarenta justiça.

A população aplaudiu a ação dos seus lazarentos prepostos; neste sentido, todos assemelharam-se aos que contratavam o lazarento, agora morto, a fazer o serviço sujo (não constitucional) nas grotas do cerrado.

Como vimos, a lazarentice é contagiosa, este tipo de experiência é a que leva a comerciantes lazarentos a contratarem lazarentos milicianos para matar lazarentinhos que fazem pequenos furtos.

Ok, também existe um lazarento que se presta a problematizar, escrever e postar sobre qualquer fato desta lazarenta vida sem ao menos uma lazarenta ressureição. Tudo lazarentamente triste.

A Coragem de Eduardo Leite!

Ainda não sei em que termos Eduardo Leite, em entrevista a Pedro Bial, a ser transmitida, assumiu de maneira pública sua orientação sexual. Tampouco tenho clareza do impacto imediato na sua carreira política. Mas não tenho dúvidas que seu ato de coragem será libertador para o restante da sua carreira.

Dudu Milk, um infame trocadilho, referência velada a Harvey Milk – primeiro político americano assumidamente gay, não ao acaso, assassinado por outro político – perdeu a validade, ao menos a com fins negativos.

Sinceramente, lamento que a orientação sexual (bem como, religiosidade ou ateísmo) de alguém seja objeto de especulação na política, no trabalho, nos seminários ou, até, nas famílias. Mas todos sabemos que não é bem assim. Num ambiente no qual o maduro FHC não conseguiu assumir um filho que afetivamente era seu e que acreditava biologicamente também o ser; no qual dona Antônia, secretária/companheira, não poder ir ao enterro do “seu” Tancredo e, também, no qual Lula congelou em um debate presidencial por medo de ter revelado onde estava o aparelho de som citado de maneira ardilosa por Collor, no fundo, Eduardo Leite não poderia deixar sua orientação de fora da sua vida pública; caso contrário, ficaria exposto a este tipo de ameaça/insinuação, como se a orientação sexual fosse algo que precisasse ficar escondida. Lembram de Marta Suplicy, em desespero, fazendo insinuações sobre Kassab?

Entretanto, independentemente destas questões, Eduardo, mesmo sem ter a obrigação de fazê-lo, não seguiu o script padrão de vários políticos, o que transforma seu posicionamento em algo histórico no nosso estado e país. Certamente, o governador, por décadas, será um modelo a influenciar pessoas a encontrar a leveza de simplesmente poderem demonstrar ser nada mais nada menos do que são.

Por si só, isso não dá condições para alguém ser presidente ou qualquer outra coisa; porém, rompe com espúrias interdições. Mas, muito além disso, certamente, dá ao vivente uma ímpar leveza.

Ah, sim, não me surpreenderá que muitos que antes faziam insinuações maldosas sobre sua orientação, agora, o acusem de oportunista, como se assumir uma orientação homossexual, no nosso país, fosse algo com apelo eleitoral.

Negação, mecanismo INCONSCIENTE

Os mecanismos de defesa do ego, dos quais a negação é um deles, são todos inconscientes. Não se deve confundir com a mentira consciente do marido que nega a origem do batom na cueca. Por mais que, às vezes, o mecanismo possa parecer tão caricato e pobre como uma mentira infantil da criança toda lambuzada de chocolate que nega ter atacado o bolo antes do tempo.

Os mecanismos de defesa do ego visam a sobrevivência emocional frente as ameaças do mundo interno e externo. Defendem o ego quando este se sente ameaçado pelo sofrimento insuportável, o desamparo, a fragilidade, a ignorância (…).

Em algumas situações, o uso momentâneo, não sistemático, associado a outros mecanismos permite que o ego tenha condições de elaborar perdas, melhor lidar com sofrimento/dores, como no caso das ameaças por doenças físicas e demais perdas.

Entretanto, obviamente, o uso maciço e sistemático traz graves prejuízos; paradoxalmente, levando o indivíduo ao desfecho que tanto teme. O homem que sente uma dor anginosa, e racionaliza que é uma dor muscular, e a mulher que frente ao pânico de ter um câncer de mama, nega o risco e não faz as revisões protocolares, passam a ter muito mais riscos de apresentar os problemas que tanto temem.

Frequentemente, tenta-se combater o negacionismo com informações técnicas, lógica, racionalizações (…) é gasolina no fogo. A pobreza dos recursos emocionais de quem usa o mecanismo faz com que ele dobre a aposta, referendando o famoso aforismo de Mark Twain: “para aqueles que só têm um martelo como ferramenta, todo problema parece prego”.

A indigência intelectual, a arrogância, fragilidade moral (…) podem se associar ao mecanismo de negação em algumas situações ou pessoas. Mas, não são condições sine qua non. Quando a negação é utilizada por grande número de pessoas, temos uma multiplicidade/variedade de personalidades, condições intelectuais e de estruturações éticas/morais.

O fato de ser um mecanismo inconsciente não tira a responsabilidade, tampouco, diminui as consequências das atitudes geradas pelo mecanismo. Na verdade, isso torna o problema mais difícil e trágico.

O prognóstico é pior!

Mocotó: a generosidade da culinária da pobreza

Definitivamente, não degustarás um prato de mocotó pela nobreza dos seus ingredientes (bucho, calabresa, bacon, feijão branco …); tampouco, pela apresentação; muito menos se te preocupares com a quantidade de calorias ou com a sofisticação dos ambientes nos quais ele costuma ser servido. Estas questões são relevantes para outro tipo de culinária. Aqui estamos falando da culinária da pobreza, aquela que salvou vidas em épocas de penúrias, de escravidões e demais abusos. Assim foi com o bouillabaisse francês, o goulash húngaro e a feijoada brasileira, para citar alguns.

O mocotó é o equivalente à feijoada; provavelmente, nasceu com as sobras das charqueadas. Imagino a “Preta Velha”, considerada “imprestável” para as lides mais pesadas, que passa a ocupar-se dos filhos dos escravos que trabalhavam no inverno pelotense às margens do Arroio Pelotas; frente a fome, ela procura as sobras que originam o mocotó, servido como iguaria para alimentar e aquecer os netos que um dia poderiam ser livres.

Mocotó tem este tempero! Para comê-lo precisa encarar e reverenciar quem escreveu e enfrentou a história. É uma decisão solitária, pelo menos comigo assim o é. No passado, de tempos em tempos, nos almoços de sábado, comia no português Cruz de Malta, sempre no balcão, uma porção serve três pratos. É tudo ou nada. hoje, no inverno, de quando em quando, no germânico Alles Blau! Ambos honestíssimos!

Cozinhar é um ato de amor! A criação de pratos na pobreza é um ato de sobrevivência.

Longe ou perto, somos todos filhos de quem sobreviveu à fome.

Saúde: negações pré-pandemia

Todos conhecem pessoas próximas – quando não, as próprias – que apresentam algum(uns) dos seguintes comportamentos:

– Não fazem exames ginecológicos regulares.

– Negam-se a realizar toques prostáticos e colonoscopias preventivas.

– Nódulos mamários são ignorados até supurarem.

– Hipertensos que interrompem o tratamento quando a pressão se normaliza e seguem abusando do sal.

– Diabéticos que se negam a fazer reeducação alimentar e/ou usar medicações hipoglicemiantes.

– Tabagismo, alcoolismo e demais abusos de substâncias.

– Não usam cinto de segurança, capacete e … camisinha.

– Negam-se a fazer e/ou, posteriormente, abandonam os tratamentos psiquiátricos (depressão e ansiedade, principalmente).

– Não realizam pré-natal, não vacinam os filhos, inclusive as meninas contra HPV.

– Exposição ao sol sem proteção de maneira excessiva.

– Não consultam regularmente conforme indicação dos protocolos.

(…)

Em relação à COVID, a negação dos riscos, a falta de cuidados preventivos, o desprezo pelas vacinas (…) não surpreendem; eles são um pouco mais do mesmo que os profissionais da saúde se deparam no dia a dia.

Entretanto, existe uma diferença fundamental entre as questões enumeradas acima e os indivíduos com comportamentos negacionistas em relação ao coronavírus. Nas primeiras, infelizmente, o sujeito sofre com as consequências; já, na pandemia, desgraçadamente, o comportamento de um indivíduo pode atingir a muitos, inclusive, seus amores.

Rosa, Momo, Auschwitz, Refugiados e a Morte dos meus Filhos!

Comecei a assistir “Rosa e Momo”, 2020, dirigido por Edoardo Ponti, com Sophia Loren, meio sonolento, com direito a leve cochilo e terminei lacrimejante. Não pretendo dar spoilers além da conta, até porque o filme pode ser visto por vários caminhos.

Uma mirada estaria no fato de que passados 75 anos de Auschwitz, a sobrevivente judia se reencontra consigo ao olhar o púbere senegalês empurrado aos pequenos furtos/tráfico na turística Bari. Ao mesmo tempo, livre e condenado à morte.

O racismo e os demais irmãos preconceituosos são trágicos, têm uma força destrutiva além da sobrevida dos conceitos obsoletos que lhes dão origem. Por exemplo, raça é uma falácia, não se sustenta cientificamente como conceito. Entretanto, os crimes que se cometem a partir do pseudoconceito são reais, destrutivos, causam dor e são devastadores para a saúde mental de suas vítimas.

Os insights precisam ser intelectoafetivos para gerarem uma real compreensão do problema. Apenas ideias ou conceitos, muitas vezes, são insuficientes para nos levar a sentir empatia e realmente mudar nossa postura frente às agressões e suas vítimas. Também, não raro, a elaboração se dá aos pedaços; por exemplo, pode-se elaborar questões ligadas à intolerância racial e se seguir intolerante com a diversidade sexual.

Quando fui aos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, eu dominava a história do holocausto, era pai de três filhos, todos filhos de mãe de origem judaica; segundo os constructos religiosos, são considerados judeus. Convivia com famílias judias e suas histórias. Mas, havia um elemento afetivo que me bloqueava de sentir de forma mais íntima o que de fato foi o holocausto. Apenas quando entrei em um dos grandes galpões que compunham o complexo e que hoje é um museu, e me deparei com vários brinquedos, sapatinhos, sandálias, roupas (…) de crianças; além de chumaços de cabelos encaracolados, igualmente, raspados das suas cabeças e, por conseguinte, vi meus filhos entrando nas câmaras de gás, é que passei para outro estágio do processo de compreensão.

Idealmente não se deveria precisar sentir-se ameaçado pela intolerância para que se pudesse ter a real dimensão do horror. Hoje, meus filhos caminham por aí, como branquelos que podem ter qualquer origem étnica/religiosa; entretanto, apesar de temporalmente, a escravidão estar mais distante do holocausto, seus descendentes seguem sendo identificados pelo tom da pelo, pelo cabelo, pelo nariz… e sofrem de maneira, às vezes dissimuladas, não raro, sem dissimulação, o mesmo que seus antepassados. O mesmo ocorre com as pessoas que não são heterossexuais. Aliás, um dos agrupamentos que também foram prisioneiros/mortos nos campos de concentração.

Historicamente, em algum momento, todos somos ou temos pessoas muito próximas a nós que são/foram vítimas de intolerância, do preconceito, do ódio. Assim como, amanhã, não sabemos quais serão os critérios que levarão alguns a estarem nos vagões em direção à Birkenau.

Last but not least, assistir a dignidade da personagem de Sophia Loren, com seus 86 anos, por si só, deveria ser suficiente para se repensar a vida.

Creolina, Emulsão Scott, Geleia Real e Demais Benzeduras!

Na década de 50, quando minha avó morreu decorrente de um câncer de colo uterino, entre as medidas salvadoras, minha mãe contava que utilizaram gotas creolina como parte do tratamento.

Leite com manga era um veneno terrível, com narrativas de pessoas que ficaram com o estomago empedrado e tiveram que ir com urgências aos pronto-atendimentos.

Por outro lado, geleia real, o alimento das abelhas rainhas, era um santo remédio. Milagroso para quase tudo. O docinho convidava para uma queixa.

Em compensação, Emulsão Scott, óleo de fígado de bacalhau, curava qualquer dengo. Era o demônio na sua forma mais repulsiva.

Algumas medidas preventivas eram clássicas; por exemplo, as meninas deveriam evitar lavar a cabeça quando menstruadas, o sangue subia e era loucura na certa.

Ainda bem que só fiquei no vinho, não escorreguei para demais tipos de bebidas alcoólicas, mas, quando me passo, não tenham dúvidas, estou procurando pelo doce embalo propiciado pelo biotônico Fontoura. Santo remédio para magrelos fracotes.

Ah, também temos os que foram amamentados por conta de copos generosos de cerveja preta.

Não chamar o nome do “Senhor teu Deus em vão” era assustador para mim; afinal, quando verdadeiramente se precisasse, ele não atenderia. Convenhamos, uma baita sacanagem!

Todo bairro tinha sua benzedeira! Independente do credo, quando a coisa apertada, recorria-se a elas.

Na atualidade, mas do que antes, as benzeduras ganharam uma demão de “credibilidade” de alguns profissionais da saúde e políticos, que passaram a concorrer em pé de igualdade com milagreiros com viés religiosos; estes, estabelecidos desde os primórdios. Melhor dizendo, não é uma concorrência, mas, sim, uma aliança na busca de uma nova hegemonia do pensamento pré-iluminista.

Crises que ameaçam a vida, a beleza, a potência … são sempre férteis para tais recrudescimentos.

P.S. Escrevi depois que li a coluna “A Criança é o Pai do Homem”, de Hélio Schwartsman, no UOL/Folha. Nela, entre outras coisas, narra que em 28 anos de mandato de Bolsonaro, entre as duas propostas que ele conseguiu aprovar, uma foi a norma que autorizou o uso generalizado da fosfoetanomlamina, a pílula do câncer. Ou seja, o menino já era aprendiz de feiticeiro.

A União nos Velórios!

Não vivi o velório de Vargas, ditador que morreu como presidente eleito. O suicídio do “pai dos pobres” acrescentou pitadas de culpas e, consequente, busca dos responsáveis para expiações.

Entretanto, lembro-me de dois velórios emblemáticos, uniram o povo e pararam o país: Tancredo e Senna. Ambos representavam esperanças de dias melhores ou vitórias. Não havia oposição no cemitério de São João del Rei e Prost, grande adversário, às vezes, inimigo, estava entre os carregadores do caixão de Senna.

Alguns dirão que foram exceções. Por isso, cito o velório de dois outros políticos. Mário Covas e Luís Eduardo Magalhães. De certa forma, representantes opostos na política brasileira. O primeiro foi cassado pela ditadura militar, o segundo era herdeiro de quem apoiou e cresceu com ela. Maluf, inimigo político de Covas, desde que estudavam na Politécnica, lá estava para despedir-se do adversário. Assim como Covas, Arraes e Suplicy estavam no velório de Luís Eduardo.

Velórios e sepultamentos nos diferenciam de quase todos os animais. São fundantes da civilização. O ataque aos mortos e o desrespeito aos enlutados prenunciaram à escuridão que estamos vivendo. São múltiplos os exemplos, à direita e à esquerda.

Ataques à liturgia dos velórios fere de morte a construção de possibilidades de colaboração, de busca de soluções. Quando se coisifica a morte, quando elas se tornam dados estatísticos, quando se economiza ou se faz política a partir dos mortos/enlutados condenamos a vida.

São compreensíveis os cuidados com os velórios em período de pandemia. Mas a obstrução/restrição ao espaço do choro, da solidariedade, do consolo, da lembrança (…) criam uma cicatriz de difícil resolução.

Ao longo do ano, fomos dessensibilizados pelo número de mortos. Os sobreviventes, ao não poderem velar e enterrar dignamente seus mortos, carregam dentro de si cadáveres insepultos.

Sim, não podemos nos aglomerar; entretanto, necessitamos de uma comoção que nos coloque em comunhão… que una, que nos dê um senso de que não estamos sozinhos; que a nossa dor e indignação é apartidária e, como nos ensinou Antígona, de Sófocles, vida e morte estão acima da indignidade das tiranias e suas manipulações utilitaristas das mortes.

Somos um país de enlutados! Pelos mortos, por escolhas, por não escolhas, pelas doenças, pela pobreza, pela fome, pelo medo. A seu tempo, por nós e pelos que se foram, precisaremos reagir.

Afinal, plagiando Antígona*, ao questionar a submissão da irmã Ismênia à tirania: precisamos demonstrar se somos humanos ou apenas filhos degenerados de uma nobre humanidade.

*Frase original: “Logo poderás demonstrar se tu mesma és nobre ou se és apenas filha degenerada de uma raça nobre.”

Nosso Jeitinho Fracassou!

De gambiarra em gambiarra, estamos levando nossos cemitérios ao colapso.

No fundo, sempre nos orgulhamos do nosso jeitinho. Associamos à criatividade, inventividade, à malemolência do bom sambista, aos ritmos inusitados, ao drible desconcertante. Enfim, tudo de bom!

Boa parte das piadas com nossos colonizadores têm como pano de fundo as famosas literalidades – sim, eles exageram; entretanto, nossas licenças interpretativas passam do ponto.

Nos jactamos do convívio pacífico dos povos de diversas origens e religiões; mas, não atentamos ao racismo estrutural e às desigualdades sociais. Não vivemos sob guerras; mas não enxergamos que morrem mais brasileiros de forma violenta do que pessoas de nacionalidade que estão envolvidas em guerras.

Brincalhões, nos demos ao luxo de eleger uma piada por nós criada. O mito que era uma expressão irônica, quase sarcástica, passou a ser tratado como fonte da verdadeira sabedoria. A grosseria transformou-se em autenticidade, a linguagem bélica, vulgar … em coragem, e assim chegamos para enfrentar à pandemia.

Para completar, em conluio destrutivo, situação e oposição, politizaram o enfrentamento da pandemia.

Conseguimos discutir a validade/importância/origem das vacinas; como se o tempo perdido não fosse matar ninguém. Transformamos isolamentos sociais em feriados. Não abrimos mão das campanhas eleitorais, festas de final de ano e carnaval, afinal, ninguém é de ferro.

Tão criteriosos em relação às consagradas vacinas, nossa criatividade foi tolerante/complacente com que kits milagreiros sem comprovação científica, base das falsas seguranças.

Na casa que falta pão e sobram mortes, dedicou-se tempo ao falso dilema: a vida ou a economia?

Definitivamente, o jeitinho fracassou na busca de uma solução razoável (ou suficientemente boa, para citar Winnicott). Mas, não se desistiu deles; agora, os esforços são na criação de narrativas para terceirizar responsabilidades.

As gambiarras não aceitam a utilização de pedidos de desculpas, não cabem mea culpas, isso são para os fracos. Com o advento das redes sociais, as gambiarras se casaram com as fake news e pariram a onipotente lacração, que já nasceu imunizada com duas demão de estupidez e arrogância.

Teríamos mortes. Muitas eram inevitáveis. Ocorreram e seguem ceifando vidas em vários países. Lamentável! Mas, aqui, precisamos pensar nas que seriam evitáveis com o uso do bom senso, do conhecimento científico, com mensagens coerentes, com atitudes em consonância com os discursos e com o estímulo e as comprar precoces para a vacinação. Não se solicita milagres!

Em que momento nos perdemos? Ou nunca tivemos um rumo? Existem jeitinhos inocentes? Mesmo com dor, com raiva, como cada um pode contribuir para elaborar soluções que não sejam um tudo ou nada no caminho da destruição?

Penso que uma firme não aceitação das gambiarras como soluções e da desfaçatez dos jeitinhos como desculpas poderiam ser uma picada inicial.

Médicos São Péssimos Pacientes e Políticos, Gestores!

No meio médico, são famosas algumas assertivas: CRM positivo; só acontece com paciente médico; ou, por procuração, só acontece com familiar de médico. De fato, a responsabilidade deveria ser dividida: médicos são péssimos pacientes e/ou médicos atendem mal aos colegas. (Claro que isso não é a regra, mas, sim, algo que acontece muito acima do esperado em condições normais)

A meu ver, entre tantas explicações, algumas são óbvias: médicos se automedicam; postergam a procura; consultam nos corredores; têm mais medos das bruxarias; negam os problemas; se sentem onipotentes e desconfiam dos colegas.

Por outro lado, médicos quando atendem colegas saem dos seus protocolos; aceitam dar consultas em situações informais; partem do pressuposto de que o colega entende as entrelinhas da comunicação parcial; fazem conceções que não dão a outros pacientes; querem fazer melhor que; delegam aos pacientes/colegas fazer as receitas e, por identificação, negam os problemas ou exageram nas preocupações.

Resumindo, ambos saem fora das rotinas/protocolos. Se estes são os padrões ouro nos atendimentos, quando se abre a mão deles (mesmo imaginando estar fazendo o melhor), convidam-se os demônios para dar as cartas. Dá no que no dá: complicações acima da média de outros atendimentos.

Parece óbvio, mas é difícil escapar das armadilhas. As atenções, e cuidados, precisam ser redobradas para seguir se fazendo o que é o mais adequado para qualquer vivente.

Percebo que existe um paralelismo com os políticos. Muitos não têm a menor ideia do que é prioridade, do que precisa ser feito e é impostergável. Entretanto, alguns, menos toscos, sabem o que se precisa realizar em uma boa gestão dentro do seu paradigma (não vou entrar no mérito ideológico). Para acentuar o paralelismo, digamos que eles têm seus protocolos e ideias do que é adequado, prioritário e impostergável.

Entretanto, ao invés de simplesmente executar, eles tentam adequar o momento, a forma, a profundidade (…) da gestão ao momento político e aos humores do eleitorado (ou, se preferirem, dos demais políticos, empresários, das categorias que eles representam e assim por diante ….). Ao tentarem fazer um amalgama entre a boa gestão e os interesses eleitoreiros, acabam por criar uma gambiarra. Ou seja, péssima gestão.

O porquê deste paralelo aparentemente esdruxulo? Porque ambos matam!

P.S. O título parece estranho, com a vírgula ocupando o lugar do verbo, mas está correto. Outra opção seria: Médicos São Péssimos Pacientes, e Políticos Gestores. Também não é tão frequente a vírgula antes do “e”, mas, também, me parece correto.

Já o explicadinho: “Médicos São Péssimos Pacientes e Políticos São Péssimos Gestores” é redundante.

Pois é, decisões nem sempre são óbvias. Muitas vezes precisamos bancar o que parece estranho.

O Estadista

Mariliz Pereira Jorge, uma conterrânea pontagrossense, escreveu um texto considerado por muitos deselegante e injusto contra nosso presidente. Para que não pensem que todos os nascidos na Princesa dos Campos Gerais são insensíveis e negacionistas em relação às verdadeiras qualidades do nosso presidente, em desagravo, venho por meio deste, fazer justiça às mais nobres qualidades do presidente:

“Bolsonaro!

Estadista. Democrata. Empático. Líder. Articulado. Equilibrado. Sensível.

Solidário. Fraterno. Generoso. Decente. Paternal.   

Honesto. Justo. Ponderado. Conciliador. Sensato. Equânime. Bom.

Agradável. Elegante. Sofisticado. Cortês. Amável.

Inteligente. Intelectualmente Honesto. Racional. Ao mesmo tempo, intuitivo. Culto. Profundo. Perspicaz. Articulador. Hábil. Preparado. Oportuno. Iluminista.

Heterossexual. Másculo, Forte, Potente. Atlético. (Ele aprecia muito estas qualificações, sente-se reassegurado)

Não vou aos dicionários procurar mais termos para qualificar nosso querido, quase unânime, presidente. Tenho certeza, o vocábulo português não dá conta de nomeá-lo da forma que ele merece.

Entretanto, tenho que concordar com o uso do carinhoso “lazarento,” todo filho pontagrossense já escutou de sua mãe tal adjetivo. Por favor, não peguem pelo lado negativo. Ah, também, um amigo goiano me garantiu que ele faz jus ao “pequi roído”, seja lá o que for isso. Mas confio no amigo.”

Quanto a mim, sem falsa modéstia, sou capaz de escrever a verdade e não tenho medo de ser processado por crime contra a segurança nacional.  

Aproveito para enviar cordial abraço ao Flavio, Eduardo e Carlos, ocupantes privilegiados no coração do pai da pátria.

Brasil acima de tudo, Bolsonaro acima de todos!

Meu Preconceito com a Doença Mental

Sim, parece estranho, haja vista que trabalho basicamente com estas questões. Entretanto, preconceitos têm uma base inconsciente; simples demão de racionalidade podem escamotear os preconceitos, mas não o eliminam.

Vamos aos fatos! Em dezembro, subitamente, percebo que não estava enxergando na metade medial do campo visual do olho direito. Imediatamente, marquei uma consulta com meu oftalmologista, Rafael Loeff. Na anamnese, ele me pergunta se eu vinha mais estressado do que o habitual. Responde que sim, que estamos vivendo tempos estranhos, que de alguma forma isso, entre outras coisas, me sentia sobrecarregado.

Imediatamente, lembrei-me que há mais de uma década havia consultado com ele, que recém havia comprado vários dos aparelhos que compõem a parafernália de um consultório oftalmológico. Descreveu em especial um, que segundo ele, na época, mostrava de maneira inequívoca um gráfico que específico quando as alterações eram de ordem psiquiátrica. Então pensei: pqp, só o que me falta aparecer a imagem da histeria!

Percebam, outras alternativas, inclusive a que eu imaginava, que veio a se confirmar, o descolamento de retina, implicaria em cirurgia de urgência, além do risco de efetivamente perder a visão. Tumores, inclusive malignos, não estavam descartados. E eu, num misto de negação e preconceito, com minha mente preocupado com a possibilidade de estar com um sintoma psiquiátrico. E se tivesse, frente ao fato inequívoco que não estava enxergando parcialmente, será que não seria melhor? Eu não confio nas abordagens psiquiátricas/psicoterápicas/psicanalíticas a ponto de preferir uma patologia com tratamento cirúrgico?

Não, a resposta está no preconceito com a doença mental, algo que está inscrito nas profundezas, que reaparece em momento de dor/medo e consequente regressão. Acompanhado da ideia de como psiquiatra e psicanalista ficaria socialmente exposto com uma doença predominantemente emocional. Um pensamento superficial, quase ingênuo.

Ninguém tem uma vacina permanente quanto às manifestações sintomáticas de etiologia emocional. Crises vitais e acidentais – inevitáveis ao longo da vida-, problemas clínicos, pandemias que nos atropelam, perdas reais ou fantasiadas; até acontecimentos positivos, como o crescimento dos filhos que vão para o mundo (…) vão impondo necessidades de novas adaptações, desenvolvimentos e elaborações. Neste percurso, ninguém está blindado/imune.

Obviamente, boas experiências passadas, procuras precoces de ajuda entre outras coisas ajudam a se ter uma boa evolução, que às vezes são experimentar sintomas menos intensos e duradouros.

Não cabe juízo de valor sobre se nossos parafusos espanados geram sintomas histéricos ou descolamento de retina. Até porque, quando a retina descola e o medo/vergonha de que isso seja um problema emocional, talvez, já seja, também, o próprio.

Cachorro Raivoso!

A culpa, por óbvio, é da mãe. Durante boa parte da minha infância tive medo de ser mordido por um “cachorro louco”, assim chamados os cachorros contaminados pelo vírus causador da raiva canina (na verdade, uma série de mamíferos são hospedeiros, transmissores).

Ela contava que quando jovem fora mordida por um, e teve que tomar um número enorme de injeções na volta do umbigo para prevenir-se do vírus letal. A cereja no bolo era a terrível morte de uma conhecida por raiva humana (hidrofobia). Claro, não se pode negar as conflitivas sexuais/edípicas em tais vivências/lembranças.

Lembro das campanhas de vacinações; bem como, da expressão: agosto, mês do cachorro louco! Aqui, temos um detalhe interessante, na verdade isso tem mais a ver com a sincronia do cio das cachorras que ocorrem neste período e as disputas pelo poder (conquistas) entre os machos. Claro, secundariamente, se um macho está contaminado, nas disputas existem brigas que podem proliferar o vírus da raiva. Soa conhecido, não?

A pandemia transformou meu 20/21 em um grande e tenebroso agosto. Medos que aparentemente estavam controlados em alguém que nasceu num período governado pela ditadura dos cachorros loucos, mas que na adolescência sentiu-se seguro ao receber a vacina da democracia, voltaram a turvar o horizonte da crença em um futuro sem rupturas.

Temos apenas 5 casos de pessoas no mundo que sobreviveram ao desenvolvimento da doença após a contaminação pelo vírus da raiva. Os dados sobre as democracias governadas por cachorros raivosos são desencontrados; mas, de qualquer forma, o prognóstico está longe de ser alentador.

Tratamento: vacina, vacina e mais vacina! Seja em pessoas ou na democracia, que por si só, é uma vacina, mas que precisa ser mantida em condições adequadas de equilíbrio.

Não, não esperem racionalidade, capacidade de avaliação, bom senso ou empatia do cachorro louco; mesmo que ele tenha sido seu cão de estimação/preferência, a raiva pode causar, entre outras coisas: hiperexcitabilidade, confusão mental, desorientação, agressividade, acessos de fúria (…).

Ah, sim… evite separar a briga entre cachorros desconhecidos. É sempre um fator de risco…