Quem ela matou?

Bernardo, o seu enteado?

O filho da ex do marido?

Seria o que sobrou da ex, que não foi suicidado junto com ela?

O agregado incômodo, que necessita de cuidados e disponibilidade afetiva, seria essa uma possibilidade?

Talvez um concorrente na disputa infantil pelo afeto do provedor/pai pobre?

Ou seria o concorrente/inimigo da sua filha, com a qual estaria infantilmente identificada?

Seria o receptor de migalhas afetivas do marido, que denunciavam que ela não o tinha na totalidade e incondicionalmente?

Foi Bernardo vítima de um latrocínio, sendo o objeto roubado a sua potencial herança?

Estaria ela matando os aspectos insuportáveis do marido, como quem extirpa um tumor que causa deformidade no ideal narcisicamente planejado?

Ou estaria ela tentando livrar-se dos seus sentimentos e desejos assassinos, algo que o faz, paradoxalmente, assassinando Bernardo, depositário da sua fúria.

Poderia ser uma tentativa de matar a imagem do marido/pai fraco, pusilânime, incapaz de ser continente da sua loucura assassina?

Seria um infanticídio, deslocando a fúria evocada pela sua filha para seu enteado, uma pessoa mais tolerável para sua moralidade dissociada?

Poderia Bernardo evocar a lembrança de irmãos, irmãs, primos e amigos que ela não pode eliminar na sua infância, mas que ela tem certeza que roubaram-lhe o que entendia ser seu?

Seria ela uma assassina de aluguel, matando o enteado, induzida pelo acovardado pai, que impossibilitado de assumir seus sentimentos e desejos, silenciosamente indica o desfecho para seus capangas?

Seria a repetição de um crime, que anteriormente não foi descoberto e punido e, portanto, repete-se na busca de uma expiação?

Talvez tenham sido vários os assassinados e as assassinas, inclusive alguns não citados. Só não creio que ela tenha matado o irmão da filha; pois, para enxergar esta relação é preciso ter uma mente que ela não tinha.

Sobre Hemerson Ari Mendes

Psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Pelotas – Febrapsi - IPA), médico psiquiatra (UFPel), mestre em saúde e comportamento (UCPel). É diretor da Clínica Ser e durante 18 anos foi professor de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina UCPel, atualmente, licenciado. Sim, também, disgráfico.

Publicado em 21/04/2014, em civilização, Cultura, Educação, Educação dos filhos, matenidade, paternidade, Psicanálise, Psicanálise e psiquiatria, Relacionamentos e marcado como , , , . Adicione o link aos favoritos. 7 Comentários.

  1. Bravo Hemerson!!!
    Parabéns por expores tua inteligência, conhecimento, experiência e talento a favor de um mundo de pessoas inteligêntes também, talentosas também, mas que o fervor do momento, “momentos de uma vida inteira”, sem o mínimo de conhecimento, acabam virando criminosos e causando barbáries e deixando o mundo tenebroso. Sou a favor da disciplina de psicologia e filosofia nos bancos escolares. Essa é a verdadeira educação.

    Educação para mim é a pessoa ganhar recursos para administrar seus sentimentos, conhecê-los, entendê-los… Matemática, português,…. Isso é secundário.

    Entendo que este crime poderia ter sido evitado.

    Parabéns pela coragem de expor as ideias também. Pois és lido por multifários tipos de mentes, de diferentes estados evolutivos.
    Te enxergarão desde um gênio até um louco.
    Parabéns por te expores. Por saberes transitar no meio das conceitualidades das pessoas se dando respeito e liberdade.

  2. Oi Hemerson através do teu texto podemos compreender as possiblidades deste barbaro crime, do que pode ter acontecido.Mesmo assim como mãe não consigo entender como um pai pode articular a moorte de seu proprio filho.
    eliane diniz

  3. A literatura da criminologia dita que não existe crime perfeito, pois de forma (in)consciente o criminoso necessita ‘ostentar’ seu troféu, isto é, a obra de sua mente deturpada, e desta forma, acaba por deixar vestígios apontando à sua própria autoria. Por este prisma é bem interessante tua colocação de que seria uma forma de repetir o crime anteriormente não descoberto. E pior, por este trilho, a próxima vitima seria seu atual comparsa que certamente não fez a matemática dos acontecimentos e talvez não soubesse do risco que corria na hipótese de ‘sucesso’ desta comunhão hedionda de esforços.

  4. Raica Diana Rosário

    Seria tão mais fácil amá-lo !!!!

  5. Liane Beatris T. Roedel

    No emaranhado de novelos e fios que compõem esta trágica trama, muito mais que o médico, é a lógica e a fina sensibilidade da escuta do filósofo e do psicanalista que nos oferece os fios e as filigranas que fazem emergir a verdade – dos fatos e atos. Um estilo interessante e agradável de desvelar o desagradável. Gostei! De filósofo e psicanalista, que bom se no Judiciário tivéssemos um pouco…

  6. Eliza Andersen Bosenbecker

    Excelente texto!Uma làstima que o Bernardo não tenha sido visto com outros olhos.

  7. Você conseguiu chegar nas perguntas que passaram em minha mente quando passei por uma situação muito traumatizante como a do Bernardo, a diferença é que não morri. Mas, pra mim falar sobre isso é importante mas também, ouvir alguém falar sobre isso facilita muito para mim para encontrar esse real que me aconteceu.

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